São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995 |
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O capital se faz em casa
LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA Excepcionalmente a revista ``Economist" publica artigos assinados a convite. Em número recente (30/6), um dos mais reputados economistas americanos, Martin Feldstein, presidente do National Bureau of Economic Research, foi autor de um desses artigos: ``Fluxos mundiais de capital: pouco, ao invés de demais", no qual pretende explicar a crise do México. Segundo o autor, a estratégia mexicana não teria fracassado porque se expôs em demasia aos fluxos de capital internacionais, mas porque eles foram insuficientes.A análise, embora adotando uma abordagem inicial insustentável, acaba sendo profundamente interessante para os países latino-americanos, se lhes servir de advertência para que não contem irresponsavelmente com a poupança externa, nela incluídos os investimentos diretos estrangeiros. Esses investimentos são muito bem-vindos, mas são universal e invariavelmente parcos. Na verdade, como Feldstein demonstrou cabalmente em seu artigo -concluindo como Barbosa Lima Sobrinho o fez há muitos anos no título de um livro sobre o Japão-, o capital se faz em casa: os investimentos reais em cada país são fundamentalmente financiados pela poupança interna. Não é razoável atribuir a crise mexicana à exposição excessiva aos fluxos de capital, a não ser que se imagine possível contar com um financiamento ilimitado de déficits em conta corrente, a partir de uma política de ``confidence building". O grande erro do México foi esse. Deixou o câmbio valorizar para controlar a inflação e, assim, incorreu em déficits crescentes, que esperava poder financiar por investimentos diretos. Adotou uma política de construção da confiança atendendo a todos os desejos do sistema financeiro internacional -particularmente os de uma inflação muito baixa e de um câmbio estável- à custa dos fundamentos macroeconômicos. Afinal a estratégia se revelou insustentável, e a confiança foi perdida. Não se trata de uma insustentabilidade teórica, mas prática. Em tese, os déficits em conta corrente poderiam ser absorvidos, se fossem financiados por investimentos diretos -que não apenas não exigiram repatriamento a curto prazo, mas também provocariam um aumento da capacidade de exportar, a qual, mais adiante, permitiria o pagamento da dívida contraída. Feldstein, entretanto, mostra por meio de uma ampla pesquisa que, historicamente, essa estratégia é impraticável. Que não é realista pensar em financiar de forma substancial os investimentos internos com investimentos diretos externos, nem com empréstimos internacionais. E muito menos com fluxos de capital de curto prazo. Segundo Feldstein, ``embora existam grandes fluxos diários de capitais em torno do mundo, quando baixa a poeira a grande maioria da poupança realizada em um país permanece naquele país". Para substanciar essa afirmação, apresenta uma tabela na qual, na abcissa, coloca os investimentos brutos médios de 1970-92 em relação ao PIB nos países da OCDE e, na ordenada, as respectivas taxas de poupança bruta. Conforme observa o autor, a correlação é quase perfeita. No topo, o Japão poupa em média 34% do PIB e investe internamente 32%; na retaguarda, os EUA poupam 18% e investem 19% do PIB, e o Reino Unido poupa 17% e investe 19% do PIB. Os demais 18 países estudados distribuem-se disciplinadamente entre os dois extremos, sempre com uma correlação estreita entre poupança interna e investimento. Diante dessa situação, a política a ser seguida não é, obviamente, mudar o caráter dos fluxos internacionais, fazendo com que eles se tornem reais, constituídos de investimentos diretos. Feldstein não tem qualquer ilusão a respeito. E se ele -que vive em um país desenvolvido, teoricamente exportador de capital- não a tem, muito menos nós, na América Latina, podemos tê-la. Segundo Feldstein, ``olhando para frente, a política econômica precisa se concentrar em aumentar a poupança nacional". Como aumentar a poupança interna? Através de mecanismos puramente de mercado, como, por exemplo, o aumento da taxa de juros? Feldstein é suficientemente bom economista para saber que essa é uma tolice. Juros altos seguram consumo, mas seguram muito mais investimento e acabam reduzindo a poupança. Na verdade, dado o caráter cultural da poupança, só estratégias de poupança forçada logram aumentá-la no curto ou mesmo no médio prazo. A poupança forçada pode derivar diretamente do Estado, quando este faz o ajuste fiscal e assim aumenta a poupança pública, ou seja, a diferença positiva entre a sua receita corrente e sua despesa de consumo, inclusive juros. Alternativamente pode derivar indiretamente do Estado, quando este, como no Chile, promove a formação de fundos complementares de pensão privados. Pode, finalmente, derivar da política do Estado de securitizar um fundo como o FGTS -que é um sistema de poupança forçada hoje controlado pelo Estado- e estabelecer que a decisão sobre a aplicação dos novos depósitos compulsórios caiba aos trabalhadores. Nesses dois casos a vantagem está em permitir que o mercado, em vez do Estado, coordene a aplicação dos fundos. As velhas teorias do desenvolvimento, de cunho conservador, afirmavam que era preciso antes acumular capital na mão dos capitalistas, concentrando renda, e só depois distribuir a renda para a sociedade. Hoje sabe-se que essa tese é falsa. Que os capitalistas não poupam mais que os trabalhadores e a classe média. E que é possível promover o desenvolvimento concomitantemente com a distribuição. Por outro lado, uma teoria cara às esquerdas nos anos 50 afirmava ser possível promover o desenvolvimento só com o aumento da poupança e do investimento em capital fixo, sem a promoção do capital humano, expresso em mais educação, saúde e progresso tecnológico. Hoje sabe-se que essa tese é igualmente falsa. O que, entretanto, continua absolutamente verdadeiro é que não é possível promover desenvolvimento sem poupança interna. O capital estrangeiro pode ajudar -e de fato ajuda-, mas será sempre marginal. Barbosa Lima Sobrinho demonstrou de forma cabal essa tese historiando o desenvolvimento do Japão. Em um mundo globalizado, em que a ideologia liberal avançou além da conta a partir da crise do Estado, essas idéias andam ultimamente esquecidas. Ou então foram confundidas com um nacionalismo velho e com estratégias de desenvolvimento voltadas para dentro que, de fato, não mais se sustentam. O artigo de Feldstein, porém, é definitivo a respeito -e insuspeito. O problema não é de nacionalismo ou de cosmopolitismo, mas de puro e simples realismo. É perigoso contar com a poupança alheia: o capital se faz em casa. Texto Anterior: METRALHADORA; UMA CÂMERA NA MÃO; DUELO Próximo Texto: Indenizações com justiça Índice |
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