São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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Indenizações com justiça

JARBAS PASSARINHO

Já me defini, nesta coluna, em favor da liberação dos nomes dos desaparecidos no período da luta armada, que a esquerda radical promoveu entre 1967 e 74. Citei o fato de que, em audiência que concedi a parentes de desaparecidos quando ministro da Justiça, fiquei abalado com o pungente apelo de uma senhora, para que a ajudasse a dar sepultura cristã aos três filhos que, envolvidos na guerrilha, nunca mais viu.
Não mantenho ligação com a área militar, minha origem. Afastado do serviço ativo do Exército desde 1966, os meus contemporâneos de Escola Militar do Realengo (RJ) já estão todos na reserva, em suas casas, e alguns em sua morada definitiva, levados pelas Parcas.
Nunca reneguei minha participação no movimento cívico-eclesiástico-militar de 31 de março de 64, pois que eclodido com o apoio maciço da sociedade civil e da grande maioria dos religiosos. Dele participei conscientemente, inspirado na Doutrina Social da Igreja, ainda não substituída por muitos clérigos pela Teologia da Libertação.
Minha pregação pré-revolucionária era em favor da democracia que entendíamos ameaçada seriamente a partir do então presidente da República, suas ligações com Prestes e sua emulação com o cunhado. Assumi o meu passado mesmo quando, a serviço da causa que defendi, nós nos enredamos no autoritarismo. Isso nada obstante, Deus me poupou de envolver-me em qualquer das fases da contra-insurreição militar. A mesma condenação que na Constituinte de 88 propus ao terrorismo, o fiz à tortura.
A anistia, que defendi da tribuna, como líder da maioria e do governo Figueiredo, mais ampla, diga-se de passagem que o projeto da oposição, fi-lo como proposta de esquecimento e não de perdão, que pressupõe arrependimento, o que não pedíamos. Em exortação à reconciliação, eu disse: ``enterremos nossos mortos e esqueçamos o passado".
Ora, não posso me fazer incoerente, quando há quem não possa enterrar seus mortos, pois desconhece onde se encontram seus restos mortais. Alguns podem, até, ser de membros da própria esquerda ``justiçados" por companheiros, fatos, por sinal, já confessados e registrados em livros.
Uma coisa é enterrar os mortos, e outra, bem diferente, é indenizar os vivos, antecedentes ou descendentes. Pior ainda: indenizar ``picaretas", como revela o noticiário sobre ``bravos" jornalistas que se dizem perseguidos no período do autoritarismo e, na verdade, fizeram nele até carreira proveitosa. Reconheço, porém, que há trigo no meio desse joio.
Lembro-me do que disse ao meu amigo ministro Gama e Silva, da Justiça, depois da edição do AI-5, quando ele editava os Atos Complementares, impedindo cassados de exercerem profissões como aviador, jornalista e afins. Ironicamente, lhe disse: ``Estás impedindo-os de sobreviver economicamente. Por que não crias logo um campo de concentração? Assim, teriam o que comer e onde morar, como na URSS".
Reconheço, pois, que houve quem tivesse de mudar de profissão para garantir sua própria subsistência. Esses merecem uma análise, caso a caso, com vistas a uma possível indenização, um ressarcimento dos prejuízos provadamente sofridos. Outros casos, não. Inclusive em muitos há beneficiados, a meu ver, abusivamente. Dou um exemplo que me diz respeito pessoalmente.
Em abril de 64, foi-me ordenado intervir na Superintendência da Petrobrás na Amazônia, da qual fora titular em tempos normais. Em conexão com a área de segurança, demiti os servidores mais comprometidos com a agitação, responsáveis por violências e perseguições aos que não compactuavam com eles. Muitos eram militantes do Partido Comunista. Recusei fazer demissão por justa causa, ainda que vários tivessem fugido do Pará, até mesmo para o exterior, abandonando o serviço.
Ao contrário, mandei pagar todos os direitos que lhes cabiam, legalmente, porque entendi que o abandono do emprego era involuntário e forçado. Um ex-ministro de Minas e Energia, que tenho por pessoa por todos os títulos respeitável, achou por bem deferir pedidos de indenização dos atingidos pela Revolução de 64. Entre os beneficiados figuraram todos aqueles que eu mandara indenizar na forma da lei. E lhes foi dada a promoção ao mais alto nível da carreira. Alguns ficaram ricos. Absurdo.
O episódio ilustrativo da fraude dos jornalistas, amparados no sindicato da categoria, é a melhor ilustração que tenho para a posição que adoto. Chego a admitir a indenização, mas só, repito, nos casos analisados de per si e defendido o Erário dos pretendentes desonestos, uma vez que a corrupção é um mal que não respeita fronteira ideológica e limites morais.

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