São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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EUA são uma espécie de Brasil

DO "EL PAÍS"

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Gore Vidal já completou 70 anos. É um homem visceralmente ligado ao escândalo. Um novelista traduzido em quase todos os idiomas. Um ensaísta impiedoso, brilhante e certeiro. Também é ator e roteirista de cinema e televisão. O enfant terrible das letras norte-americanas diz que a crise estrutural da economia americana coloca os EUA ao lado de Brasil e Argentina. Vidal fustiga os adversários e observa criticamente o universo desde seu paraíso alojado num rochedo sobre o mar na cidade de Ravello, perto de Nápoles, sul da Itália.

Por que você vive em Ravello e só vai aos Estados Unidos para vomitar no prato que comeu, criticar seu país?
Bom, não vou exatamente vomitar.
Por que escolheu Ravello?
Vim pela primeira vez a Ravello com Tennesse Williams (escritor americano, 1911-1983). Esta casa havia sido utilizada como hospital para oficiais do Exército britânico. Gostei do lugar. Era moda entre os escritores ingleses. Faz pouco tempo, Hillary Clinton esteve aqui.
A esposa do presidente veio vê-lo?
Sim, no verão passado. Passou aqui um dia inteiro.
Ou seja, o enfant terrible tem tratos com a Casa Branca...
Com Hillary. Ficamos amigos em Washington antes das eleições.
Mas você odeia Washington e especialmente o que ela tem dentro. Os políticos e os jornalistas.
Em novembro passado, em entrevista em Washington, me perguntaram o que eu e a senhora Clinton havíamos conversado. Respondi que havíamos falado dos jornalistas. Todos caíram na gargalhada, e me aliviei. A imprensa americana é hostil comigo por razões políticas. Mas não preciso deles. Minha vida e minhas idéias eu as conto diretamente. Acabo de escrever minhas ``Memórias". Vão até 1964. Serão publicadas em setembro.
Sua vida não foi fácil. E escreveu quase meia centena de livros.
Minha vida tem sido longa e complicada. Não é fácil reconstruí-la.
Você recorreu a seus diários?
Só mantive um diário durante um tempo curto de minha vida. Mas há um biógrafo na Universidade de Nova York, Fred Kaplan, que reuniu mais de 600 cartas minhas e organizou esse material. Quando preciso tirar alguma dúvida, ele encontra o dado em seu arquivo.
Um diário simplificaria as coisas.
Nesse sentido, sim. Mas diários são um aborrecimento. A pessoa tem que estar muito interessada nela mesma para manter um diário. Você tem que estar absolutamente enamorado de si mesmo para escrever um diário. Como Anais Nin. Ela tinha um caso de amor consigo mesma. Tive que ler parte de seus diários. Mas a mim não interessa saber que ia para a cama com Anthony Burgess (escritor e crítico inglês, autor de ``Laranja Mecânica"). Esses detalhes não me interessam.
A política te dá sono? Você vive isolado como um nobre no Renascimento.
Passei a vida observando meu país. Também tentei me meter na política. Mas não segui este caminho. Não é possível ser escritor e político ao mesmo tempo. Quando falo, as pessoas me escutam. Falei dias antes das últimas eleições. Dominavam os neofascistas, a nova classe do ultradireitismo no Partido Republicano. A coisa esteve quase empatada.
Perigoso para a democracia.
Muito. O governo central não funciona. As pessoas detestam o governo tanto quanto o governo as detesta. Quando isto acontece, produz-se o caos. Estamos quase aí.
Seu prognóstico é pouco otimista.
Nada otimista. Graças à dívida acumulada em função da indústria militar, toda a economia dos Estados Unidos foi a pique. O curioso é que os governantes sabiam que a URSS não era um perigo real. Agora estamos numa situação econômica tão má que podermos situar-nos entre Brasil e Argentina.
Já não existe um inimigo?
Para o governo, o verdadeiro inimigo é o povo americano. Os governantes, agora, se voltam contra o próprio povo. Nas cadeias americanas há 1,5 milhão de presos. E 2 milhões estão em liberdade condicional. Dos reclusos, 62% estão lá por delitos menores, como consumo de maconha. Se são pegos fumando três vezes levam prisão perpétua. Isso mostra um país enfermo. Já não temos que nos preocupar com o comunismo. Por isso temos que nos ocupar com drogas e terrorismo.

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