São Paulo, segunda-feira, 10 de julho de 1995
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Weffort elogia ACM e diz que PT não fará mudanças

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O ministro da Cultura, Francisco Weffort, 58, acredita que cada vez mais o PT está condenado a ser a ``oposição moderna" de um país que luta para se modernizar.
As mudanças no Brasil, diz o ministro, serão feitas por Fernando Henrique Cardoso, que tem a visão de Estado que falta ao PT. ``O PT tem a ótica de quem vê o Estado de fora e se coloca na perspectiva de movimentos que apresentam demandas ao Estado", diz.
Sobre o PFL, as posições do ministro são reveladoras. Diz que líderes como o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) têm ``muita sensibilidade social".
Eleitor de Luiz Inacio Lula da Silva no ano passado, Weffort resolveu romper o silêncio sobre o partido que ajudou a fundar e do qual foi secretário-geral.
Desde que foi convidado pelo amigo FHC para assumir a pasta da Cultura e obrigado a se desligar do PT, é a primeira vez que fala sobre seu antigo partido.
A seguir trechos da entrevista, realizada anteontem à tarde:

Folha - A última semana foi marcada por polêmica motivada pela declaração do presidente, segundo quem não é preciso ser burro para ser de esquerda. Qual o saldo disso?
Francisco Weffort - Acho que esse debate foi produzido pela imprensa. Em primeiro lugar, o Fernando Henrique não disse que a esquerda é burra nem se colocou fora da esquerda para dizer o que disse. Ele disse o óbvio: você não precisa ser burro para ser de esquerda. Ele não sai da esquerda para dizer isso. Ele está fazendo um apelo para uma atualização da esquerda. O debate foi empobrecido pela imprensa.
Folha - O que significa hoje essa atualização da esquerda?
Weffort - Há um problema político-intelectual no Brasil hoje que é o de se tentar entender o processo que estamos vivendo. O governo está iniciando um processo de reformas muito mais profundas do que aquilo que o próprio governo tem sido capaz de vocalizar. Com exceção do próprio Fernando -que vez por outra toca em coisas significativas e aponta o tamanho da mudança-, no governo estamos todos respondendo às emergências. Poucos têm expressado o sentido geral da mudança.
Folha - A esquerda já deu um nome a isso que o sr. chama de mudança: neoliberalismo.
Weffort - Obviamente não é neoliberalismo. O processo brasileiro que está sendo apontado envolve privatizações mas não repete o Salinas (Gortari, ex-presidente do México). Não repete a Argentina. Não é um modelo neoliberal. Mas se não é isso, o que é? Essa é a questão. Nenhum dos outros países da América Latina tem a estrutura industrial que o Brasil foi capaz de construir durante 40 anos de intervencionismo estatal. É bobagem você imaginar que o Brasil pode fazer uma política de estilo argentino. A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) berra duas semanas depois se isso acontecer. E a Fiesp não é um grupinho qualquer. O Brasil é muito grande para caber dentro desse modelo neoliberal.
Folha - Admitindo-se que Fernando Henrique é de esquerda, como o sr. diz, é óbvio que ele nunca se confundiu com a esquerda que o PT representa.
Weffort - Há uma diferença essencial entre o Fernando Henrique e o PT. Ele é herdeiro de uma tradição na esquerda que tem uma visão de Estado, que coloca ênfase na formulação de políticas de Estado. Quando ele diz que se trata de fazer o que é necessário, está se colocando na ótica do Estado em relação à sociedade, pensando num longo período histórico.
O PT tem a ótica de quem vê o Estado de fora e se coloca na perspectiva de movimentos que apresentam demandas ao Estado. O PT não tem a ótica de quem propõe alternativas de Estado, mas sim de quem cobra alternativas de Estado a quem esteja no poder.
Folha - O PT no poder seria algo esquizofrênico?
Weffort - Para dizer de maneira pedante, a lógica do Fernando Henrique é a do ``insider" e a do PT é a do ``outsider". Ele raciocina da ótica de quem pode mudar o Estado desde dentro e o PT raciocina da ótica de quem só pode mudar o Estado desde fora. É uma diferença fundamental. Minha impressão é que o resultado disso será o seguinte: o Fernando Henrique e quem o acompanha farão as mudanças para esse Brasil moderno e democrático e o PT será a oposição moderna deste Brasil moderno. O PT não fará as mudanças.
Folha - É uma sentença grave demais para um ex-petista...
Weffort - O PT nasceu num período de defensiva econômica e social. Ele foi treinando sua sensibilidade para uma posição de resistência dos trabalhadores em face a tudo que vinha do Estado. O PT sempre funcionou na base do rebote. O mecanismo político básico que aciona o PT é dizer não ao que é proposto.
O PT virou uma espécie de corrente de transmissão do sindicato. A temática política do partido virou expressão de defesa dos segmentos profissionais que o partido tentava representar. O PT está sempre na defensiva, sempre ligado ao sindicalismo. Isso significa enorme contribuição à democracia, mas do ponto de vista da organização geral da sociedade, a contribuição do PT é muito pequena.
Se o Paulo Nogueira Batista Jr. (economista ligado ao partido) diz que o PT tem pouca cultura econômica, eu digo que o PT tem pouca cultura política. Tem uma excelente cultura sindical. Acho que não há lugar histórico duradouro no Brasil para uma política de esquerda que faça de modo permanente a previsão do fracasso. Será como cuspir para cima.
Folha - O sr. não acha que o governo fez muito pouca coisa para corrigir a injustiça social?
Weffort - Em primeiro lugar, o Plano Real foi uma medida de alcance social amplíssimo. Houve uma redistribuição de renda extraordinária através do real. Sem isso o Fernando não teria ganho a eleição. Se ele ganhou, foi porque a massa reconheceu nele o criador do Plano Real. E isso significou dinheirinho no bolso do povão. Tem significado social o fato de que o povo come mais, ou passa menos fome. Em segundo lugar, acho que as reformas institucionais são absolutamente necessárias para mexer no plano social. Sem um mínimo de organização institucional que aponte para crescimento não se faz nada. Em terceiro lugar, a Comunidade Solidária vai começar a dar resultados agora. O Fernando e a Ruth (Cardoso, primeira-dama) têm muita sensibilidade para certas necessidades básicas de uma massa popular que não tem possibilidade de se organizar.
Folha - Sua opinião sobre o PFL mudou?
Weffort - Mudou. Eu tinha uma percepção que estava sociologicamente errada. Eu pensava que o PFL fosse mais clientelista que os outros. Não é assim. Até onde tenho visto, o anseio por cargos é algo generalizado. Varia do PPR ao PC do B, passando pelo PT. Como o PFL é um partido grande, disputa mais cargos que os outros. Além disso, líderes do PFL como o Marco Maciel, o Gustavo Krause e o Antônio Carlos Magalhães têm muita sensibilidade social. De outro modo não dá para chegar no povão do jeito que eles chegam.

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