São Paulo, segunda-feira, 10 de julho de 1995
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Estado e mercado

CARLOS HEITOR CONY

Os neoliberais acusam o Estado de se intrometer no mercado. Com o pretexto de discipliná-lo, o primeiro termina castrando o segundo, limitando seus movimentos, nivelando-o por baixo. Não faz muito, por meio do Plano Cruzado, o Estado chegou à insânia de revogar a lei da oferta e procura: foi o ponto mais alto da intromissão de um no outro. Não podia dar certo. Os dois saíram perdendo.
Até aí, tudo bem. Mas ocorre com os neoliberais o que costuma acontecer com alguns agnósticos: deixam de crer em Deus e passam a acreditar em deuses de circunstância, na proteção dos cristais, na eficiência da farofa de dendê, na sabedoria das cartas do tarô.
Transformaram o mercado no deus único e poderoso, só ele capaz de gerar o progresso. Idolatrando o lucro, os neoliberais fingem acreditar que, com as sobras, com as migalhas caídas de mesas pródigas, haverá distribuição de renda e justiça social. Essa é a modernidade proposta pelo atual governo.
Embora tenha baseado sua campanha eleitoral em promessas antigas e burras (saúde, educação, segurança etc.), FHC está sendo moderno e inteligente: relegou essas velharias sociais para a primeira-dama, entidade que tradicionalmente cuida do Natal dos empregados da Presidência e, em caso de enchentes, carinhosamente providencia cobertores para os desabrigados.
FHC jogou todo o poder de sua caneta para premiar os que aderiram ao ``talhe moderno" do Estado que os neoliberais estão empurrando pela goela estarrecida da nação. Esse talhe moderno entroniza o mercado como regulador, árbitro, polícia e carrasco da sociedade.
A obrigação do Estado, de acordo com os neoliberais, é garantir os movimentos do mercado -a polícia que está desaparelhada para combater o crime será sempre eficiente para proteger a sacralidade do lucro. Mais ou menos como na Idade Média, que ao menos nos deixou estupendas catedrais. O neoliberalismo deixará bancos com piso de granito e ar-refrigerado.

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