São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 1995
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Mudança de valores no país leva ao crime

FERNANDO ROSSETTI
DO ENVIADO ESPECIAL A SÃO LUÍS

O resultado do caso Collor e PC Faria é um dos exemplos que melhor ilustram por que está havendo um aumento sem precedentes da violência e crime no país.
``É o exemplo que eu mais ouço de que não há Justiça no Brasil", afirmou ontem o antropólogo do Museu Nacional do Rio Gilberto Velho, em sua conferência ``O Risco do Ódio Social".
Embora ``todos saibam" que a Justiça protege alguns estratos sociais, ``nunca na história do Brasil a imprensa havia divulgado um processo desses de tal forma."
Mas esse é apenas um exemplo de algo que está ocorrendo em toda a sociedade e que, de fato, está fazendo o ``ódio social" explodir em metrópoles como Rio e São Paulo, defendeu o professor.
``Eu pertenço a uma tradição teórica, a uma linha de trabalho, que chama a atenção para a natureza heterogênea da sociedade. Ela é por natureza heterogênea."
As sociedades -das mais simples às mais complexas- envolvem diferentes ``atores" -indivíduos ou grupos-, com pontos de vista e interesses potencialmente diferentes.
``Essa violência no Brasil é uma novidade", diz Velho. Isso, apesar de o país ter vivido experiências como a escravidão e a relação Metrópole e Colônia.
``Não dá para simplesmente dizer que as camadas populares se conformavam com a dominação.
``No entanto, outros autores chamaram a atenção para uma certa capacidade dessas camadas em conseguir manter um certo nível de reciprocidade com a camada dominante."
Para o professor, sempre houve no Brasil uma espécie de troca de favores entre essas camadas. ``Mesmo os senhores de engenho faziam algumas concessões, que permitiam algum grau de convivência."
``Pode-se dizer que isso posterga a dominação", avaliou o antropólogo. ``Mas isso se constitui não apenas em uma ilusão. É uma realidade."
Por exemplo, em momentos de crise, o patrão poderia ajudar financeiramente o empregado.
``Mas mesmo isso tem sido perdido na sociedade brasileira", conclui o professor.
``O fato é que, no cotidiano das grandes metrópoles, as relações sociais perderam aquela capacidade de produzir o mínimo de reciprocidade."
Com isso, ``cresce continuamente um tipo de desconfiança social que não é necessariamente política".

Ladrão amigo
Em um outro exemplo, um morador do Morumbi em São Paulo, ao ser assaltado, tentou conversar com os ladrões para parecer amigável. Chamou um dos ladrões de ``amigo" e foi morto.
O ladrão, depois de preso, declarou que não poderia aceitar ser chamado de amigo pela vítima, porque isso o desmoralizaria frente a seus colegas.
Para Velho, mesmo que a pessoa que foi morta tivesse usado uma ``linguagem talvez paternal", ela tentou estabelecer uma relação de reciprocidade.
O problema se agrava com o fim do prestígio dos mais velhos -que em geral servem de referência para os mais jovens. O jovem hoje não se conforma em trabalhar a vida inteira como os pais e ``terminar a vida na miséria".
E aí vão para o crime, para o tráfico, querem armas, bens de consumo como tênis e roupas, e mulheres.
``O que assusta mais é essa mudança de visão de mundo que está acontecendo. Não é mais só uma questão de distribuição de renda, de iniquidade social", afirmou.
A saída, para o antropólogo, é a sociedade civil -ONGs, movimentos como o de Betinho- se organizar para criar novos canais de reciprocidade dentro da sociedade, e cobrar do Estado sua atuação nas áreas sociais.

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