São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 1995
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Anabolizante será restrito ao novilho precoce

BRUNO BLECHER
EDITOR DO AGROFOLHA

Proibido no país desde 1986, o uso de anabolizantes na pecuária de corte voltará a ser liberado até o final deste ano, segundo disse à Folha Ênio Marques, secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura.
A portaria, porém, será restritiva, alcançando apenas à produção de novilhos precoces (animais criados em regime intensivo e abatidos até os 30 meses).
``Isto deve limitar a tecnologia a apenas 2.500 pecuaristas", diz Victor Abhou Nehmi, diretor do Sindipec (Sindicato Nacional dos Pecuaristas de Corte).
Pelos cálculos do Sindipec, liberados sem restrições, os anabolizantes poderiam injetar na pecuária uma renda adicional de US$ 200 milhões no prazo de três anos.
``Em média, os anabolizantes aumentam o ganho de peso do animal em 12%. Se 40% dos 26 milhões de bovinos abatidos por ano no país receberem a droga, o acréscimo na produção de carne pode chegar a 230 mil t, quase 5% da produção nacional", calcula Nehmi.
Com a limitação, a perspectiva de ganho da pecuária é bem mais magra.
``Nos próximos doze meses devem ser abatidos 700 mil novilhos precoces. Com os anabolizantes, o aumento na produção de carne pode alcançar 13 mil t ou R$ 25 milhões", diz Nehmi.
Para Ênio Marques, do Ministério da Agricultura, não adianta usar os anabolizantes em animais criados em regime extensivo, que passam fome.
``A estratégia do governo, ao restringir a utilização da tecnologia à produção de novilhos precoces, é acelerar a modernização da pecuária", explica Marques.
O projeto do governo também esfriou o ânimo da indústria de defensivos animais, setor que movimenta US$ 600 milhões por ano no país.
Pelas estimativas mais conservadoras, a liberação total desses produtos abriria um mercado de cerca de US$ 15 milhões/ano, que inicialmente seria explorado por apenas três empresas (Elanco, Quimio e Mallinckrodt).
Se a venda for limitada aos produtores de novilhos precoces, o potencial de mercado fica reduzido a menos de US$ 1 milhão/ano.
Para a indústria exportadora de carne bovina, porém, anabolizante pode ser sinônimo de prejuízo.
O uso de promotores de crescimento é proibido na Comunidade Européia (CE), que absorve 70% da exportação brasileira de carne bovina.
``Na Europa, anabolizante é nome feio", alerta Mário Macido, diretor da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne).
Segundo ele, dos US$ 522 milhões arrecadados pelo país com as exportações de carne bovina em 94, cerca de US$ 350 milhões vieram da CE.
``Não somos contra os anabolizantes, nossa preocupação é com o mercado. Antes de aprovar a liberação, o governo deveria consultar a CE", propõe Macido.

Saúde pública
Na avaliação do Ministério da Agricultura, a restrição da CE à carne tratada com anabolizantes se deve ao excesso de produção na Europa. Nada tem a ver com saúde pública.
``Mesmo assim pretendemos conversar com a CE antes de aprovar a portaria", diz Ênio Marques.
No ``front" interno, o governo também sofre resistências das entidades de defesa do consumidor.
``Não foi só por causa do mercado que a Europa proibiu os anabolizantes. Há incertezas quanto aos danos que eles podem causar aos consumidores", diz o médico veterinário Sizefredo Vaz, especialista em qualidade do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor).
Segundo Vaz, a Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (Iarc) constatou evidências de indução de câncer por estes hormônios, em doses mais elevadas, em animais de laboratório.
``A liberação dos anabolizantes traz riscos para o consumidor e nenhum benefício", diz ele.
Embora a proposta do Ministério seja manter a proibição do DES (dietilestiberol), anabolizante proibido nos EUA, o Idec teme que seu uso aumente após a liberação dos outros produtos.
Usado clandestinamente por alguns pecuaristas, o DES hoje é contrabandeado do Paraguai.
``Os cinco produtos que serão liberados não oferecem riscos à saúde dos consumidores, quando usados corretamente", diz o professor e médico veterinário João Palermo Neto, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.
Palermo Neto, que desde 94 participa de uma comissão formada pelo Ministério da Agricultura para avaliar a questão dos anabolizantes, diz que o governo vem tratando o assunto com seriedade.

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