São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 1995
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Âncoras cambial e salarial

ANDRÉ LAHÓZ

A queda abrupta da inflação brasileira no primeiro ano do Plano Real confirma a eficácia de se usar a taxa de câmbio para controlar preços. A chamada ancoragem cambial é ou foi usada em vários países, como México e Argentina, com resultados igualmente surpreendentes quando se olha exclusivamente para o comportamento dos preços.
No Brasil, a inflação despencou para 32% ao ano. Um ano antes, a inflação anual era de 4.200%. Mais impressionante é verificar que, se fossem expurgados os produtos negociáveis no exterior -e que, portanto, sofrem concorrência externa- e as tarifas públicas, a inflação do real seria de cerca de 130%.
Ou seja, a inflação foi controlada porque o governo aceitou impor às estatais um preço menor por seus produtos e serviços e porque importar ficou barato com a valorização do real.
Os outros preços, principalmente os dos serviços, sofreram fortes reajustes reais. A queda da inflação e o restabelecimento de linhas de crédito à população permitiram um aumento considerável do consumo.
Os preços dos produtos não sujeitos à concorrência externa reagiram a este crescimento da demanda. Os aluguéis, por exemplo, subiram 210% em um ano.
O problema que se coloca agora para o Plano Real é que há um limite claro para continuar mantendo a inflação baixa por meio de compressão de tarifas e valorização cambial.
Por um lado, o governo pode e vai evitar um tarifaço (aumento generalizado das tarifas públicas), mas não há como evitar alguma recomposição de preços públicos. Algumas tarifas já estão sendo reajustadas.
Por outro lado, fica difícil imaginar um uso tão forte da taxa de câmbio no segundo ano do real. A crise mexicana mostrou os limites da âncora cambial.
O dólar muito barato e a demanda aquecida geraram um estímulo às importações e um desestímulo às exportações. O resultado são os sucessivos déficits comerciais desde novembro passado.
Após a flexibilização da banda cambial no último mês, o governo sinalizou claramente que a taxa de câmbio sofrerá desvalorização nominal. O mais provável que ocorra são pequenas desvalorizações cambiais abaixo da inflação ao longo do segundo semestre.
Ou seja, a âncora cambial continua a ser usada para controlar preços, mas com menor intensidade.
Como a estabilização conta cada vez menos com a âncora cambial -até porque o governo está gradualmente fechando a economia-, o governo aposta no desaquecimento.
Tal desaquecimento contribui tanto para amenizar o problema da balança comercial quanto para segurar preços.
Daí a necessidade de o governo ser bem-sucedido na desindexação salarial como instrumento decisivo no desaquecimento do consumo. Em outras palavras, o governo troca lentamente a âncora cambial pela âncora salarial.
Restam várias dúvidas. A primeira é se o desaquecimento da economia será suficiente para a reversão das contas externas. A segunda é se o governo tem tempo para esperar este desaquecimento antes de ter que ajustar o câmbio de forma mais violenta. Por último, se a desindexação salarial será aceita pela sociedade.

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