São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 1995
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Exposição e livros vêem Goya múltiplo

Metropolitan (EUA) exibe acervo completo pela 1ª vez

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma grande exposição no Metropolitan Museum, em Nova York (EUA), a partir de 12 de setembro, uma edição brasileira da série de gravuras ``Os Caprichos", a ser lançada no mesmo mês, e uma biografia que está sendo escrita por um dos maiores críticos de arte vivos, Robert Hughes, mais uma vez põem em pauta a arte do espanhol Francisco de Goya y Lucientes (1746-1828).
Goya é como o pensador alemão Friedrich Nietzsche (1848-1900): cada época o vê de uma maneira, e essa maneira mais revela a época que o vê do que exaure a riqueza da obra e vida revistas.
Artisticamente, Goya foi um precursor do romantismo ou não? Politicamente, um subversivo ou apenas um liberal? Filosoficamente, um iluminista ou um artista que exaltava a irracionalidade para reinvenção do mundo? E pessoalmente, um louco ou não?
Na nossa época, em que a arte se entregou à ``pornografia do desespero", como diz a revista inglesa ``Modern Painters", parece muito providencial essa discussão.
Sem Goya, pintores como Manet, Cézanne e Picasso não teriam formulado a modernidade da pintura. Ele deu nova e maior intensidade à arte bidimensional ao criar uma técnica que, paradoxalmente, se caracteriza pela velocidade de expressão e economia de recursos.
Também seus temas, como não poderia deixar de ser, marcaram toda a futura história da arte e da civilização: a tirania política, o horror da guerra, o ridículo humano, a sedução e frustração física, a luta de classes, a ilusão inerente às ideologias, a inevitabilidade dos instintos. Nada lhe escapou.
Em Veneza para a bienal de arte, há um mês, Hughes deixou claro à Folha que seu livro, a ser lançado em 1996, é fruto desse espanto: quantos Goyas há em Goya? Em que mundo, ou em que confluência de mundos, ele realmente viveu? Hughes, porém, não tem pretensão de responder à pergunta de modo absoluto.
``Existiram muitos Goyas, e alguns fatos de sua vida foram fundamentais para essa multiplicação. Apenas vou examinando-os em relação à sua arte", disse.
A exposição do Metropolitan, que reúne pela primeira vez todas as obras de Goya pertencentes a seu acervo, promete pôr fogo no debate. São 16 pinturas, 54 desenhos e mais de 200 gravuras.
Em primeiro lugar, como observa o diretor do Metropolitan, Philippe de Montebello, em texto de divulgação, apenas sete das 16 telas do acervo têm autoria reconhecida; a autenticidade das outras é suspeita. ``A coleção do museu", diz, ``reflete as revisões por que Goya tem passado nos últimos cem anos."
Em segundo, o conjunto das obras, especialmente as gravuras, possui abrangência cronológica que permite entender as diversas fases da vida de Goya (leia texto abaixo).
Há telas de primeira grandeza no Metropolitan, à altura das pertencentes ao Museu do Prado, em Madri (Espanha), como ``Don Manuel Osorio de Zuñiga" (1788), ``A Condessa de Altamira e sua Filha" (1791) e ``As Majas no Balcão" (cerca de 1811) -esta recentemente posta em dúvida, para espanto geral, pois é das mais conhecidas.
Mas são os desenhos que, vistos juntos pela primeira vez, devem chamar muita atenção. Na maioria feitos a nanquim, compreendem 20 anos. Entre eles estão os concebidos como estudos para as tapeçarias feitas entre 1774 e 1778 para a corte.
As tapeçarias são usualmente comparadas à pintura do italiano Giambattista Tiepolo (1696-1770), por suas cores luminosas e composições expansivas, mas os desenhos vão ressaltar a habilidade com que Goya, em pequenos e definitivos traços, marcava o drama das personagens e cenas. Um artista completo, jamais esgotado.

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