São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sem táxis

ALBERTO HELENA JR.

O calor dos últimos três dias não combina com esta cidade típica de fronteira, onde brasileiros falam espanhol, e uruguaios, português. É um calor anacrônico.
E, por isso mesmo, as pessoas seguem nas ruas vestindo agasalhos, como se, a qualquer momento, o vento gélido voltasse a soprar e o ar se livrasse do mormaço acalentado pelas nuvens escuras que cobrem os céus de Livramento e Rivera, duas cidades numa só.
Mas o mais surpreendente, para um velho andarilho como eu, é a ausência de táxis. Não há táxis por aqui. Mas há congestionamento de trânsito, mesmo às duas horas da madrugada, na avenida principal, lá pelas bandas do Uruguai.
Aliás, quando a noite cai, as cidades se dividem claramente: do lado brasileiro, as ruas vazias, silentes, dormem o sono da província; do lado uruguaio, explode uma animação de metrópole.
Disseram-me que era ao contrário até a implantação do Plano Real. Não vejo lógica nisso. Mas, enfim...
O fato é que não há táxis, e eu não conheço cidade no mundo, grande ou pequena, deste lado ou do outro do hemisfério, nem mesmo nas Arábias, sem táxis.
Reluzentes limusines, nervosos compactos asiáticos ou velhas carcaças batendo suas latas sobre paralelepípedos desconexos, não importa.
Assim como não importam nem o perfil nem a língua falada pelos motoristas, que, independentemente da origem, acaba sendo universal naquele diálogo íntimo entre dois desconhecidos, no breve curso de uma corrida.
Lembro-me que, durante a Copa dos EUA, tomei um táxi em Los Gatos, Califórnia, para ir ao centro de imprensa do estádio, em Palo Alto, numa viagem de quase cem quilômetros.
O motorista era um hindu simpático e loquaz que falava inglês pior do que eu, que mal consigo balbuciar ``good night".
Pois levamos um papo agradabilíssimo, entrecortado de largas gargalhadas e profundas tiradas filosóficas.
Assim, não consigo entender uma cidade (ou duas, como queiram) sem táxis, que são uma espécie de mensageiros modernos, que circulam pelas veias da comunidade, reduzindo espaços e espalhando novidades.
Sim, porque nos táxis você vai colhendo fragmentos de informações, aqui e ali, até poder formar um painel da realidade em que está, subitamente, metido.
Aliás, é desses fragmentos que o cronista se alimenta no mais das vezes.
Resumindo o que quero dizer: sem táxis, como pode haver crônica?

Vi pela TV a vitória do Santos sobre o Fla. E a expressão de Luxemburgo, em close. A imagem do adeus.

Texto Anterior: Bolívia enfrenta Chile e seu ex-treinador hoje
Próximo Texto: Mogi Mirim está em uma posição cômoda
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.