São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 1995
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Roteirista de ``O Padre" concorre com a vida real

ZECA CAMARGO
EDITOR DA ILUSTRADA

Quando a realidade é mais impressionante do que a ficção, fica difícil provocar espanto. Aliás, essa nunca foi a intenção de Jimmy McGovern, roteirista do filme ``O Padre" -em cartaz no Rio, com estréia prevista para São Paulo na próxima sexta-feira.
Em entrevista à Folha por telefone em Londres, McGovern disse que, na semana em que o filme foi lançado no Reino Unido, os jornais traziam notícias de um padre irlandês que fazia sexo com garotos. Fato. Vida Real.
``Por aqui, há praticamente uma boa história dessas por mês", diz McGovern. ``Assim, fica impossível superar o cotidiano." Por isso mesmo, sua intenção principal ao escrever ``O Padre" (``Priest" no título original) era contar mais uma história sobre a hipocrisia.
Tudo bem que para falar disso ele usou um padre que, além de questionar sua fé, quando não está de batina, adota um outro uniforme: o clássico casaco de couro sobre uma camiseta justa e calça idem, ``de rigueur" para frequentar um típico clube gay.
McGovern insiste: ``É uma história maravilhosa de contar. Greg é um personagem muito forte, que se vê desafiado por preconceitos".
Igreja católica e preconceito são duas coisas que andam bem juntas, segundo o próprio roteirista. Porém, por mais batido que seja o assunto, McGovern -ao lado da diretora Antonia Bird- conseguiu tornar o clichê interessante.
``O filme é essencialmente uma crítica ao poder", diz McGovern. Ao assumir uma posição como essa -se não segura, no mínimo confortável para se esquivar das críticas conservadoras-, o roteirista encontra uma saída cínica.
Atacar o poder é uma desculpa quase crível, se os ingredientes de ``O Padre" (incesto, assédio sexual de menores, homossexualismo, concubinato -e Igreja) não dessem receita para boa polêmica.
Rapidamente, o padre do título é Greg Pilkington (interpretado por Linus Roache), que chega a uma nova paróquia para morar com outro padre que vive um romance com sua caseira.
No confessionário, uma adolescente lhe conta que é molestada sexualmente por seu pai -e ele não pode denunciar o crime por ter sido contado dessa maneira.
Claro que a onda neoconservadora ia cair matando.
Especialmente nos Estados Unidos, onde grupos religiosos ameaçaram pesadamente a Disney (distribuidora do filme naquele país) de boicote. ``A Disney deve ter achado que estaria segura se lançasse `O Padre' pela Miramax, uma ramificação menor da empresa", explica McGovern.
``Mas essas correntes cristãs renovadoras acabaram aumentando a polêmica", completa o roteirista.
No fim, nos Estados Unidos, ``O Padre" teve sucesso de crítica e público razoável para um lançamento pequeno. Tanto quanto McGovern sabe, na Europa o filme foi bem -mesmo em países católicos como Espanha ou Itália.
``Estou curioso para saber como os brasileiros vão reagir", diz McGovern. Se o público carioca servir de termômetro, a permissividade nacional vai bem.

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