São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 1995
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A esquerda é burra?

JOSÉ SARNEY

O intelectual e o político têm uma convivência difícil. O intelectual é sempre o homem da justiça absoluta, enquanto o político é aquele que vive a servidão de lidar com fatos e não com abstrações. Esse o grande dilema do intelectual na política.
A afirmação do presidente Fernando Henrique é, assim, uma manifestação do analista político, do professor, do sociólogo que é, que conviveu com e viveu a esquerda. O senão foi o emprego do verbo. O ser pelo estar. Ele não quis dizer ``ser" burra, mas ``estar" burra. Ser é o que subsiste por si mesmo. E não foi o caso.
O significado de ``ser" como ``estar", sedere (assentar-se), é coisa dos primórdios da língua, que tem o exemplo clássico do Poema do Cid, ``sed en vuestro escaño". Mas, hoje, é clara a distinção. Invoquemos o exemplo típico do acadêmico e escritor Eduardo Portela, quando no Ministério da Educação, no sussurro do sai não sai, afirmou: ``Estou ministro, não sou ministro".
Assim, o presidente Fernando Henrique, a meu ver, afirmou que a esquerda ``está" burra. Não quis dizer que ela é ignorante. Afinal ela tomou forma sob o manto de gente de gênio, Marx, Engels, Trotsky, Lênin, e em todos os lugares foi expressão de vanguarda, de inteligência. Burros eram os intelectuais do fascismo, remando contra a história.
As coisas mudaram. É claro que não são inteligentes as esquerdas que, hoje, jogam pedras, desesperadas insultam, voltam ao princípio do século na tese da greve geral, do bloqueio de decisões, de agitação, do radicalismo mais irracional. Lula mesmo já começa a perceber isso e pede aos intelectuais do partido que encontrem caminhos para enfrentar os novos tempos. Novas idéias, novas bandeiras.
Quando Odylo Costa, filho, tomou posse na Academia Maranhense de Letras, o professor Rubem Almeida, nos seus 80 anos, fiel ao seu mundo, foi logo dizendo ao encontrá-lo: ``Não me venha aqui com esta história de que o homem visitou a Lua. Vai cair no conto do americano montando aquela cena de TV no deserto do Colorado, dizendo que era a Lua? Você, Odylo, não ficou burro!". ``Fiquei", respondeu Odylo. ``Eu caí, mestre Rubem, na farsa do americano!"
As esquerdas brasileiras, no dizer do presidente, segundo entendi, podem estar burras, mas não são burras. Elas não acreditam que o homem foi à Lua, que o Muro de Berlim caiu, que a era dos monopólios está sendo derrubada pelos avanços da ciência e da tecnologia.
Perdoamos o intelectual que falou pela palavra do presidente. Afinal, é o ônus de termos um chefe de Estado com essas duas faces.
Burro é que ele não é; tampouco a esquerda.

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