São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Santo Antônio

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Sou devoto de Santo Antônio, herança maior que meu pai me deixou. Apesar de agnóstico, de não crer em Deus nem nos homens, acredito nos santos, pelo menos em dois deles: Santo Antônio e São José, embora por motivos e necessidades diferentes.
Num velho livro de José Carlos Macedo Soares fiquei sabendo que Santo Antônio era militar e até recebia soldo. Na Bahia, o santo é tenente-coronel. Em Goiás, capitão. Em São Paulo, coronel. Para compensar, Santo Antônio é soldado raso na Paraíba e major em Santa Catarina. Aqui no Rio é também tenente-coronel e em Minas simples alferes, como Tiradentes. Durante a Guerra dos Palmares, dom João da Cunha Souto Mayor mandou Santo Antônio se alistar, e dom João 5 o promoveu a tenente em 1717.
Dando baixa no serviço militar, vamos encontrar o santo como vereador em Iguarassu e suplente de senador em Montes Azuis. No final do século passado, Santo Antônio foi processado e condenado como latifundiário na Bahia porque possuía terra e escravos na fazenda de Queimada. Respondeu a juízo e perdeu aqueles bens.
Já no regime republicano, o santo foi dono do morro homônimo que entupia o centro do Rio, causa da desgraça de sucessivos alcaides locais, como Adolfo Bergamini, Carlos Sampaio, Mendes de Moraes e João Carlos Vital.
Segundo consta de assentamentos cartoriais, há débitos fiscais do santo em diversas varas da Fazenda Pública e nas delegacias do Tesouro Nacional. Parece que seus procuradores procuraram ficar ricos por conta própria e quem está com os bens penhorados é o santo.
Oficialmente, os meirinhos que de tempos em tempos vão cumprir mandatos de apreensão e busca retornam aos cartórios com a informação que é a mesma há dois séculos: o santo não se encontra nos lugares indicados pelos processos, nem deixou paradeiro.
Numa comarca de Minas, há mandato de prisão contra o santo. Qualquer cabo de polícia que o encontrar na jurisdição, entre 6 da manhã e 6 da tarde, pode prendê-lo e levá-lo ao xadrez.
Como não acreditar num santo desses, que, de quebra, ainda me ajuda a quebrar meus galhos?

Texto Anterior: Desconfiem dos jornalistas
Próximo Texto: A esquerda é burra?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.