São Paulo, sábado, 15 de julho de 1995
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Burocracia retarda o ajuste do Estado à modernidade

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Mesmo no Estado capitalista, que despreza, mas se serve da burocracia oficial, esta tende a ser, em vez de organização a serviço do povo, um subproduto da genética administrativa, cujo fim inclui, como objeto permanente, a dominação dos instrumentos de poder.
No modelo comunista, desconstituído na Europa, depois do esfacelamento da União Soviética, e, ainda hoje, na China (apesar das modificações que lá vêm ocorrendo) a burocracia passou a ser o próprio poder. Não nos iludamos: mesmo no modelo capitalista ela move o submundo da máquina estatal, aquele submundo que não aparece na televisão, nem nas manchetes, mas que é a interface imprescindível de apoio (e de boicote) dos que aparecem.
Preciso citar Max Weber para prosseguir. Ele distinguiu três tipos clássicos de burocracia (a burocracia legal, a carismática e a tradicional). Na atualidade, a burocracia legal absorveu tanto poder que passou a substituir certas qualidades de discernimento e prudência, características do legítimo exercício da administração, pelo arbítrio, ainda que sob disfarce de legalidade formal.
Foi longo e complicado o caminho percorrido até que as nações submergissem ao exagero burocratizante. Os estudiosos reconhecem a grande habilidade dos burocratas em desenvolverem extenso conjunto de proteções contra todas as formas de risco para sua inserção no organismo estatal. Mesmo a punição por faltas -burocratizando infinitamente os respectivos processos- terminou provocando substancial diminuição da disciplina nos níveis da administração pública. A crescente garantia de inamovibilidade, estendida a várias categorias, diminui a eficiência e perturba a disciplina. Em alguns países, dos quais o Brasil é exemplo, o fenômeno se repete, embora em menor escala, na administração privada. Com a burocratização, os excessos do antigo poder arbitrário dos patrões e dos chefes foram substituídos pelos excessos do imobilismo difícil de superar.
Marx admitia o fim das burocracias e, pelo que nos é dado ver, errou na previsão. Weber assegurava a indispensabilidade delas por todo o tempo, mas acreditava que se manteriam alheias à dominação política. A impressão do observador sugere que Weber não foi bom profeta. Ocorreu o inverso: elas ocuparam a estrutura administrativa e, depois, passaram a interferir nos organismos políticos de decisão.
A hiperburocratização caracteriza, tanto em nível público quanto privado, a burocracia oligárquica, cujo objetivo primeiro é o controle de sua estrutura, para garantia da dominação da sociedade, com caráter permanente e em grau evolutivo de interferência.
Ao lado desse desenvolvimento surgiram as grandes corporações transnacionais, burocratizadas, elas também, em seu espaço interno, mas providas de centros dinâmicos de decisão em países, blocos ou continentes -nos quais adotam políticas contraditórias - não controláveis pelas leis e pelos organismos estatais. O Poder Executivo e o Poder Judiciário se mostravam inabilitados para seu controle. O Poder Legislativo tem mostrado fragilidades que abriram campo à sua cooptação por poderosos mecanismos de pressão econômica ou política, que resultam, algumas vezes, em leis de restrita eficácia ``nacional" e de nenhuma eficácia extranacional.
A compreensão crítica desse estado de coisas, com os acréscimos das vigências de cada leitor, será útil para quem se preocupa em melhorar nosso futuro e o de nossos descendentes.

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