São Paulo, sábado, 15 de julho de 1995
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Livro faz flagrante do U2 na história do pop

O crítico musical Bill Flanagan lança biografia da banda

SYLVIA COLOMBO
DA REDAÇÃO

Bill Flanagan é um peregrino. O crítico musical e ex-editor da revista ``Musician" entrou na intimidade de uma das maiores bandas do planeta com uma pretensão também megalomaníaca.
A biografia ``At the End of the World", da banda irlandesa U2, lançada agora nos Estados Unidos e que pode ser importada no Brasil (leia texto abaixo), aponta a guinada de um conjunto que abandonou mensagens políticas regionais em nome de grandes temas, como a revolução dos meios de comunicação, conflitos sociais e as guerras dos anos 90.
Em entrevista exclusiva à Folha , por telefone, de sua casa em Nova York, Flanagan falou da convivência com Bono, The Edge, Larry Muller e Adam Clayton.

Folha- Como jornalista musical, você esteve próximo de muitas bandas. Por que você escolheu o U2 como assunto para um livro?
Flanagan- Conheci o grupo há mais de dez anos, circulando pelo cenário musical. Sempre achei que seria um bom assunto para um livro porque queria fazer mais do que a biografia de uma banda. Eu queria retratar um momento da cultura nos anos 90.
Folha- Como foi o acesso aos integrantes da banda?
Flanagan- Eles se entusiasmaram logo. Pude fisgá-los num momento em que estavam muito encantados com o papel da mídia no pop, durante a turnê de ``Rattle and Hum", e por isso estavam mais comunicativos. A partir daí embarquei na turnê com o grupo.
Folha- O U2 adotou o multiculturalismo em troca do engajamento político pura e simplesmente. É esta a sua nova cara?
Flanagan- O U2 é a única banda que não se limita à estrada estreita do rock e passeia entre as culturas. O fato de trabalharem temas da atualidade um por um, quase até o esgotamento, mostra o quanto estão prontos a absorver em nome da criatividade.
Folha- Pode parecer uma pequena decepção para os antigos fãs pensar que a banda abandonou seus ideais.
Flanagan- Muito pelo contrário. Eles estão mais lúcidos do que nunca em relação às diferenças sociais e ao preconceito. O que eu acho é que eles sentem o peso da responsabilidade de ser tão populares.
Folha- A esta altura a banda ainda tem problemas de como lidar com o sucesso?
Flanagan- É um pouco mais. Às vezes eles confundem isso com uma questão didática. Sentem-se responsáveis pelos jovens que não lêem jornais, não se informam sobre o que está acontecendo e são vítimas do bombardeio que os meios de comunicação despejam para dentro de suas casas.
Folha- A banda tem trabalhado tematicamente. Escolhe lugares e momentos históricos para explorar. Como é a relação deles com a América Latina e com o Brasil?
Flanagan- A América Latina sempre os atraiu. Em ``Joshua Three" fizeram canções sobre El Salvador (``Bullet the Blue Sky") e Argentina (``Mothers of the Disappeared"). Fizeram shows no México e ``descobriram" que a América não acabava ali. Se o muro de Berlim não tivesse caído, as atenções deles certamente se voltariam para isso. Mas o rumo da História os desviou.
Folha- É possível compará-los a Salman Rushdie na sua peregrinação intercultural?
Flanagan- Claro, eles mesmos usam esse referencial. Em certa ocasião, Rushdie declarou que o U2 percebia, como ele, que as barreiras do mundo da Guerra Fria não só estavam caindo como estavam se transformando em entretenimento.
Folha- A preocupação com as transformações na mídia foi tomada pela banda como um enfrentamento pessoal. Como eles lidam com o que eles mesmos chamam de revolução das comunicações?
Flanagan- Com a turnê ``Zoo TV" a banda se colocou no centro do fogo. Assumiu que se afetava com a Guerra do Golfo na TV e com a queda do muro de Berlim, na medida em que estes entravam em suas vidas de forma violenta.
Folha- Ao longo dos anos 80, o U2 se firmou como superbanda no cenário pop, com direito a megashows e produção luxuosa dos seus discos.
Flanagan- Sim, e Bono é o mais preocupado em manter a sinceridade das canções intocada. Certa vez ele disse: ``Esqueça tudo o que digo fora do palco, a vida me obriga a mentir, mas acredite na minha música".
Folha- Você acha que o público da banda mudou com a mudança no seu estilo musical a partir de ``Achtung Baby" (91)?
Flanagan- Os verdadeiros fãs do U2 perceberam seus novos propósitos. A banda quer se comunicar e transformar a história que estão vivendo em arte e, é lógico, tentar mudar alguma coisa do que pensam ser injusto ou incorreto.
Folha- Seu livro é a uma obra de fã para fãs?
Flanagan- Sim, mas isso não é o principal. Daqui a 40 anos alguém vai entrar numa livraria, encontrar meu livro e ver nele um retrato de um momento muito específico da História, em que toda a relação do homem com o mundo está mudando de uma forma muito acelerada.
Folha- O grupo é seu termômetro?
Flanagan- É um termômetro sem marcação clara, com números imprecisos. Eu não sei o que será o U2 no futuro e nem mesmo em seu próximo disco. Eles são mutantes, a História os modelará.
Folha- Então você não classificaria ``At the End of the World" como um livro de rock?
Flanagan- Não no sentido tradicional do termo. Quem procurar por fofocas, drogas, escândalos e confissões amorosas dos rapazes vai se decepcionar. Mas quem gosta da banda vai poder acompanhar seu processo de criação, sua preparação para os shows e, o mais importante, entrar em suas idéias.

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