São Paulo, sábado, 15 de julho de 1995
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São Paulo e o ``trem Brasil"

MARCO AURÉLIO ALENCAR

A hegemonia de São Paulo no processo da industrialização brasileira inscreveu na consciência nacional a imagem muito expressiva da locomotiva paulista, a puxar o pesado trem do Brasil atrasado. O desenho, porém, pode ensejar distorções que devem seguramente entrar na ordem do dia dos debates que estão sendo travados hoje em torno da reforma fiscal.
Em particular, o esforço dos fluminenses, sob a égide do governo Marcello Alencar, vitorioso na decisão da Volkswagen de instalar no Rio a nova fábrica de ônibus e caminhões, trouxe à baila a queixa paulistana: São Paulo seria a vítima de uma guerra fiscal desencadeada pelos outros Estados.
O argumento bandeirante é o de que se pratica um suicídio coletivo -um processo que, ao contrário de atingir São Paulo, destruirá o país. Nesse raciocínio, a corrida das isenções para derrotar São Paulo inviabiliza os Estados que concedem os favores. Sem impostos para bancar a infra-estrutura necessária aos novos empreendimentos, estariam condenando todo o Brasil a pagar a conta por intermédio do socorro da União.
Recentemente, o economista Dalmo Reis, em artigo publicado em jornal carioca, destacou uma série de observações pertinentes, fazendo surgir das supostas evidências as distorções que a hegemonia de São Paulo provocou no sistema tributário. Queremos aqui questionar o conceito de ``guerra fiscal" e provocar a pergunta de sentido oposto: não terá a competição fiscal entre os Estados elementos desejáveis e necessários para eficiência a longo prazo?
Com a concentração industrial em São Paulo e com a existência de altas tarifas, os consumidores de outros Estados não estão adquirindo produtos melhores e mais baratos. Como não se conquistou o equilíbrio regional e a desconcentração industrial, os brasileiros seguem atados a um processo mortal de transferência de renda, subsidiando empregos e empresários de São Paulo.
Como alertou Dalmo Reis, os tributos de importação no esquema vigente beneficiam desproporcionalmente São Paulo. A sistemática do ICMS determina que, no caso da compra de um produto paulista por um cidadão carioca, 66% do tributo pago vá para o governo bandeirante, que se beneficia da condição monopolista e se apropria de receita que deveria ser de outro Estado.
A situação torna-se mais injusta quando se examina a recíproca. Se São Paulo precisa importar energia, a maior parte do ICMS fica com os paulistas; não há subsídio a conceder, não cabe aos paulistas gerar empregos ou ajudar empresários de outros Estados. E o caso do petróleo é ainda mais dramático para o Rio, que produz 70% do bem, ficando apenas com 17% do imposto; o leão paulista abocanha quatro vezes mais.
As distorções são apontadas em outros esquemas tributários. O PIS/Cofins -tratado como um só imposto- promove também a concentração industrial, pois seu efeito cascata -pagamento feito tantas vezes quantas forem as etapas produtivas- representa uma forma de reduzi-lo. E isso é mais fácil precisamente em São Paulo, cujas indústrias tendem a ser mais competitivas, beneficiadas por esse ganho fiscal.
O economista ressalta o favorecimento à indústria paulista oriundo da própria escalada tarifária. Aos impostos de importação crescentes, ao longo da cadeia produtiva, correspondem proteções mais do que proporcionais. Isso exigirá que o nível de eficiência dos produtores de outros Estados seja bem maior do que o necessário em São Paulo.
O governador Marcello Alencar, ao festejar a decisão da Volkswagen em favor do Rio, não aceitou as provocações para uma disputa entre os Estados. E fez votos de que, em favor de todos os brasileiros, São Paulo continue a demonstrar sua pujança econômica.

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