São Paulo, domingo, 16 de julho de 1995
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Homens

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

``Eu teria pago para você, Hugh", dizia o cartaz pendurado no pescoço de uma fã, na tela da TV, aludindo à aventura do ator Hugh Grant com uma prostituta, em Los Angeles. As reações à história acabaram se resumindo a um genérico ``por que com ela, uma vagabunda?", seguido do complemento masculino ``e não com aquela sua mulher deslumbrante?", e do desenlace feminino: ``Ou comigo?"
Por que um homem bonito de sucesso, casado com uma mulher bonita de sucesso, estaciona o automóvel ao lado de uma prostituta e desembolsa US$ 60 por um ``blow job"?
É de fato estranha a sexualidade masculina.
A facilidade com que homens se dispõem a fazer sexo em qualquer circunstância é, no mínimo, ``remarkable". Como diz Stephen Jay Gould em seus adoráveis escritos sobre história natural, o homem deve ser mesmo o mais erotizado dos primatas -já eles, os mais erotizados dos seres vivos.
Recentemente, durante uma discussão na Folha, sobre uma pauta do caderno Mais!, com o objetivo de responder à pergunta ``afinal, o que querem os homens?", surgiu a ``boutade": Por que gastar tanto papel com isso? A questão se esgotaria numa notinha -sexo.
Claro que generalizações são perigosas, mulheres também são capazes de façanhas (por que elas se prostituem é uma boa pergunta, caso não se queira explicar tudo pelos óbvios ``problemas sociais") e gays homens podem ser muito promíscuos.
Mas o fato é que ainda sobrevive ao feminismo e às mudanças na consciência masculina uma convenção básica na maneira como homens e mulheres devem encarar o sexo.
O clichê reserva para as mulheres um lugar mais sóbrio e afetivo: sexo deve vir junto ou ser um complemento do amor, no máximo o ápice de uma aventura com outros elementos de identificação presentes. Jamais ``puro sexo".
Os homens ficam com o papel de máquinas eróticas descontroladas, capazes de ter orgasmos a qualquer momento, sozinhos, mal ou bem acompanhados. Separam sexo e afetividade com um pragmatismo admirável. Estão preparados para não se envolver, são materialistas e pensam antes de tudo em seu próprio prazer.
Há de fato, na relação do homem com o sexo, um jogo de aprisionamento e liberdade. Prisioneiro de inquietações sobre o estado de sua virilidade, o presente e o futuro de suas conquistas, atormentado pelo imperativo do desempenho, atordoado com as armadilhas femininas, o homem, ao mesmo tempo, pode sentir-se livre para ``resolver" como bem entender essas aflições.
O caso de Hugh, por exemplo. Qualquer homem, no íntimo, imagina o que ele fez, ainda que possa reprová-lo. Em raciocínio masculino direto: saiu de algum lugar, devia ter bebido umas e outras, passou pela avenida, viu corpos expostos em oferta, excitou-se e... decidiu-se pelo fast-food.

Simples assim.
Não estava ``trocando" sua divina mulher pela Divine do sexo de rua. ``Mas deveria ter pensado nela naquele momento", diriam.
Sim, pensar nos dias maravilhosos que passam juntos, no apoio decisivo que certa vez ele recebeu dela e nas noites ao pé da lareira. E perceber que tudo isso é muito mais importante que um reles sexo oral dentro de um automóvel.
Muito provavelmente, Hugh deve concordar com isso, caso seu casamento valha alguma coisa.
Mas, homens...

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