São Paulo, domingo, 16 de julho de 1995
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Sirene protege contra os furtos

CARLOS EDUARDO ALVES
DO ENVIADO ESPECIAL

A fazenda Quissamã é encravada na periferia de Aracaju. A proximidade com a miséria das favelas vizinhas levou os sem-terra a adotar um esquema de vigilância noturna contra o furto de animais.
Em sistema de rodízio, todas as noites dois jovens do assentamento rondam áreas próximas do curral e dos três aviários para impedir o furto de gado, principalmente.
Quando vêem estranhos, os ``guardas" acionam uma sirene que é ouvida em todas as 27 casas da fazenda. Os moradores são orientados a sair de casa para espantar os ``invasores".
``Se bobear, o pessoal da favela rouba mesmo", diz Celso do Nascimento, 44, um ex-pescador que hoje preside formalmente a associação que decide os assuntos da fazenda coletiva.
O medo do prejuízo forçou a direção do local a decidir que nenhum bovino pode dormir fora do curral. No fim da tarde, os animais são recolhidos e trancados.
O medo da invasão de vizinhos não é, no entanto, a maior dificuldade do projeto. Mesmo com a pregação do MST a favor do trabalho coletivo, há a resistência do camponês nordestino ao sistema.
Desde que o projeto foi implantado, cerca de 30% das famílias não se adaptaram e foram transferidas pelo Incra para assentamentos individuais.
A falta de uma solução rápida para os sonhos mínimos de consumo (como roupa para criança e geladeira, por exemplo) tem causado conflitos. Entre as 37 famílias que estão na fazenda Quissamã, ainda há restrições à coletivização.
``Existe quem no fim-de-semana prefere pescar caranguejo, ganhar R$ 15, comprar uma garrafa de cachaça e abandonar o trabalho aqui, mas é uma minoria", afirma o líder João Somarin Daniel.
Alguns dos assentados são fanáticos pela palavra coletivo, embora seja difícil explicar o fascínio.
``Sempre tive o sonho de um projeto coletivo e diferente", declara, por exemplo, Jailton Bispo da Silva, 26. Silva era trabalhador rural sem vínculo empregatício na cidade de Lagarto (SE) antes de trabalhar na Quissamã.
``Existe uma resistência cultural ao coletivismo. Nem uma força organizada como o MST é capaz de eliminar totalmente esse problema", diz o superintendente do Incra em Sergipe, João Bosco de Andrade Lima Filho.
Os problemas do cotidiano, como brigas entre vizinhos, são resolvidos na assembléia quinzenal do assentamento. O gosto por reuniões, aliás, é uma das características mais evidentes na Quissamã.
Reúne-se para tudo: definir tarefas e sua distribuição, destino do dinheiro, onde pedir recursos etc.
``Devagarzinho o MST sabe como trabalhar a cabeça do povo", acha Nascimento.
Outro problema é a falta de saneamento básico. Não há perspectiva de solução a curto prazo.
A prioridade dos trabalhadores é conseguir a liberação de R$ 22 mil para reformar a rede de energia elétrica e, assim, ampliar as instalações para guarda e tratamento de animais.
(CEA)

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