São Paulo, domingo, 16 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Dever em real custa 56% mais caro que em dólar

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os empréstimos em reais foram 56,13% mais caros do que os contraídos em dólar no primeiro ano do Plano Real.
Esse fato acabou criando um novo divisor de águas entre as empresas: as que têm e as que não têm acesso aos créditos no exterior.
Um dos caminhos mais curtos para os empréstimos em dólar é participar do comércio exterior, exportando ou importando.
O incremento mais relevante foi o observado nas importações.
Nesse período, o volume de exportações financiadas passou de US$ 15,5 bilhões para US$ 16,4 bilhões, enquanto as importações saltaram de US$ 14,5 bilhões para US$ 22,1 bilhões.
O prazo médio dos financiamento contraídos no exterior é de seis meses, mas há opções de mais de um ano.
``O produtor local que disputa mercado com os importados ficou menos competitivo", afirma Pedro Bodin, ex-diretor do Banco Central e, atualmente, no Banco Icatu.
Ele, porém, acredita que o cenário do primeiro ano do Real não vai se repetir daqui para frente. ``Se isso acontecer nos próximos três anos é que alguma coisa não funcionou direito."
O ex-ministro Mailson da Nóbrega, sócio da consultoria MCM, vai mais longe: ``A taxa de juros alta mais o câmbio sobrevalorizado (o dólar barato) criam uma trajetória explosiva."
A explosão potencial aconteceria nos moldes mexicanos. A produção local se estagna enquanto o déficit comercial (importações maiores que exportações) permanece elevado.
É que, como explica o economista-chefe da Brasilpar, Flávio Nolasco, um dos efeitos do dólar mais barato é o de aumentar o poder de compra dos salários em relação aos produtos importados.
Assim, a demanda tende a se deslocar de produtos locais para os importados.
Logo, diz o economista, para voltar a ter superávit comercial (exportações maiores que importações), o governo terá de promover ``uma recessão maior do que a que seria realizada normalmente".
O problema é que esse deslocamento do consumidor pode acontecer também pelo lado da oferta de bens.
Como o juro representa um custo para a produção, se o diferencial for muito grande, acaba ficando mais barato importar do que fabricar no país.
Mailson diz que essa substituição já está acontecendo em alguns setores determinados da economia, especialmente em matérias-primas.
Mas, completa o ex-ministro, ``há casos de empresas que estão importando exclusivamente para ter acesso a um financiamento externo (mais barato e com prazos maiores)".
Nolasco diz que, ao elevar os juros para atrair capitais estrangeiros, o governo está gerando um desequilíbrio ainda maior na balança comercial (exportações e importações) e aumentando o chamado ``custo Brasil".
Os economistas chamam de ``custo Brasil" um conjunto de problemas que torna produzir no Brasil mais caro do que no exterior. O juro é um deles.
É por isso que, segundo Luiz Carlos Mendonça de Barros, do Banco Matrix, ``um aspecto importante da modernização da economia é uma reforma do sistema financeiro".
A reforma teria como objetivo criar os instrumentos necessários para a queda dos juros e, tão importante quanto, o fornecimento de crédito de mais longo prazo.
Para Mendonça de Barros, por trás desse diferencial de custo nos empréstimos entre real e dólar, está um fato essencial: ``Nos últimos 20 anos, o maior devedor da economia, o Estado, era também o sujeito que fazia as regras. Ele legislou em causa própria".
Em outras palavras, o juro é elevado também por um problema de credibilidade.

Texto Anterior: ``Auri sacra fames"
Próximo Texto: Diferença nas taxas de juro gera nova concentração de renda
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.