São Paulo, domingo, 16 de julho de 1995
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diarréia censória

MARIO VITOR SANTOS

Mesmo em áreas insuspeitas há uma nostalgia da tesoura. Pois alegrem-se: ela vem aí
É de se prever agora uma enxurrada de músicas transgressivas para provocar censura e faturar a repercussão, depois do sucesso de ``Luís Inácio (300 picaretas)", dos Paralamas.
Qualquer juizinho, hoje em dia, se acha no direito de decidir o que se pode assistir, ouvir, consumir. E tudo dentro da mais total aparência de democracia, embora no caso da música dos Paralamas a censura tenha caráter político. Na verdade, trata-se de evidente restrição ao direito de expressão de opinião previsto na Constituição de 1988, e a duras penas conquistado.
Marisa Monte e outros artistas em compreensível busca do sucesso se divertem, pedindo censura também para músicas suas. Tais reivindicações são irônicas, em alguns casos são ações desesperadas de marketing, mas alto lá, o caso é mais sério do que parece.
Apesar de descumpridas, tais decisões judiciais expressam uma tendência cada vez mais clara no sentido de que seja tolerada a intervenção do Estado sobre o acesso dos artistas ao público e vice-versa.
Se não houver uma reação mais firme, a censura tende a virar costume amplamente aplicado, talvez em extensão maior do que nos tempos do regime militar. Mesmo em áreas insuspeitas, em tempos de falta de idéias há uma nostalgia da tesoura. Pois alegrem-se, ela vem aí.
É não será surpresa se todo mundo achar normal, pois a coisa tende a se incorporar aos usos ``democráticos". É o que se vê no caso dos programas de TV que envolvem cenas se sexo e palavrões. Nesses casos, sem o indispensável debate, embalada pelo discreto e ecumênico lobby das igrejas, está chegando a censura classificatória, com apoio da esquerda e do PT. A TV Globo já se apressa em "classificar seus programas. E se é para reprimir a Globo, deve ser bom, conclui-se.
Mas há muito mais em jogo do que o controle dos expedientes mais grotescos dos programas de TV. É dos limites do poder do Estado sobre os cidadãos, no limiar do fim do milênio, de que se trata.
Incorporando interesses da nova esquerda, não vai demorar muito para que o trabalho censório tenda a transbordar para temas que afetem a imagem e a sensibilidade de grupos específicos, minorias sexuais, étnicas, nacionais, religiosas e políticas.
À privatização da economia corresponde um avanço mais grave do Estado no controle das formas de expressão, o que ocorre diante da passiva contemplação geral. Vai-se o monopólio da Petrobrás, mas o Estado se expande em outra área, a impor o que se pode ou não assistir. É o caso de se perguntar: onde estão escondidos os nossos zelosos liberais que nada fazem? O banquete das estatais é farto a ponto de cegá-los mesmo diante de ofensiva cristalina contra as tão prezadas liberdade e iniciativa individuais?

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