São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 1995
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Seminário estuda imagem do índio no cinema

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

O seminário que começa hoje no Centro Cultural São Paulo/Sala Lima Barreto resume e ilustra um paradoxo nacional: nada é mais brasileiro do que o índio; ao mesmo tempo, nada representa melhor o outro.
"O índio brasileiro e o cinema" reúne onze programas em filme (veja quadro nesta página), mais uma mostra com 12 vídeos, que serão exibidos até domingo (23 de julho).
A mostra tem dois eixos, segundo sua curadora, Regina Jehá: o da memória e o da reflexão. O primeiro tem preciosidades para ninguém botar defeito, como "A Vida de uma Aldeia Bororo" e "Aldeia Nalike", filmados em 1935 por Dina e Claude Lévi-Strauss.
Dois curtas que estão, portanto, na base de uma das obras centrais do pensamento francês neste século: os trabalhos de campo feitos no Brasil nos anos 30 pelo etnólogo Lévi-Strauss (então professor da Universidade de São Paulo).
Também faz parte do conjunto "memória" o filme "Ao Redor do Brasil", feito em 1917 por Luiz Thomas Reis -o primeiro cinegrafista profissional a se dedicar sistematicamente à filmagem de índios no Brasil.
Outro trabalho de primeira linha -em termos de importância histórica- é "Rondônia", de Roquette Pinto. O filme, feito em 1909, só pode ser visto em vídeo (a única cópia existente em filme não circula).
O setor "reflexão" começa hoje com "Yndio do Brasil". O novo filme de Sylvio Back, ainda inédito, está selecionado para o Festival de Gramado, que se realiza em agosto, onde será lançado oficialmente.
O cineasta fez uma colagem de 70 minutos com imagens de cerca de cem filmes, encontrados no Brasil e nos Estados Unidos (leia entrevista com Sylvio Back, nesta página). Em seguida, ele debaterá seu trabalho com os espectadores.
No mais, a lista de longas do ciclo traz trabalhos significativos do cinema brasileiro, desde o olhar lírico de Humberto Mauro em "O Descobrimento do Brasil" (1937), até "Iracema", Uma Transa Amazônica (1974), no qual Jorge Bodansky e Orlando Senna tratam da devastação conjunta da paisagem e da cultura indígena, no momento em que a rodovia Transamazônica foi aberta.
No meio, outros trabalhos significativos ou mesmo notáveis, como "A Lenda de Ubirajara (1975), de André Luiz de Oliveira, "Uirá (1972), de Gustavo Dahl, "Como Era Gostoso o Meu Francês" (1970), de Nelson Pereira dos Santos e "Avaeté, Semente de Vingança" (1985), de Zelito Viana.
Entre os filmes que serão mostrados em vídeo, o principal destaque vai para o quase inédito "Conversas no Maranhão", feito por Andrea Tonacci nos anos 70.
Entre os curtas mais recentes, podem ser destacados "Curumins & Cunhantãs" (1984), de Regina Jehá, e "Mato Eles?" (1982), de Sergio Bianchi (na verdade, um média-metragem com 30 minutos de duração).
Todos os dias, o programa se fecha com um debate. Para chegar à forma final do ciclo, Regina Jehá diz que se dedicou durante quatro meses a pesquisar filmes em que os índios brasileiros, sua cultura, aculturação e dizimação progressiva foram abordados.
A seleção expressa uma dupla preocupação: com a qualidade dos filmes e com a montagem lógica dos programas. Assim, o seminário ora abordará a resistência indígena à aproximação com os brancos (tema de amanhã), ora sua matança pelos brancos (sábado), ora os desastres da aculturação (domingo).
Todos esses aspectos atravessados pela dualidade brutal a que se referiu Paulo Emilio Sales Gomes, citado por Gustavo Dahl no texto de apresentação do seminário: "O Brasil vive dividido entre o não-ser e o ser-outro.

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