São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 1995
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Reengenharia

FLORESTAN FERNANDES

Esse conceito tecnocrático, cunhado para negar o que encobre, traz a marca da política como arte de destruição. Nunca pensei que Mário Covas caísse nesse alçapão. Ele não cede sem luta, embora se ache amarrado às vicissitudes de uma herança catastrófica em momento histórico dramático. Aliadas à esquerda inteligente, as elites mais reacionárias do país minaram todas as fontes de identidade nacional e concretizam o sonho secular de ser a mão de gato dos impérios centrais.
O caso Banespa patenteia que o governador traçou limites à reengenharia. Escapa ao seu alcance, porém, exorcizar os ``fatos duros".
Em consequência, assistimos em São Paulo a uma devastação generalizada. Num contexto de crise econômica despontando, aumenta dia a dia o desmonte de instituições culturais (ou de outra natureza) que penamos para construir. Para tornar o Estado ``mais ágil" seria preciso reduzi-lo a escombros?
Mas há uma intenção implícita de contenção ou de retomada dos anéis que resvalam entre os dedos. Aí está a sutileza da reengenharia. Tanto se poderia submeter as instituições afetadas a outros modelos, com custos menores e o mesmo fluxo produtivo, quanto seria possível criar a oportunidade para fomentar a adoção de paradigmas organizativos mais eficientes, desde que superadas as compressões da era de vacas magras...
Enquanto isso, notícias fatídicas abatem-se sobre nossas cabeças. A mais recente refere-se à Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), instituição que deveria receber novos recursos e se vê às voltas com os dilemas da auto-sufocação. Não se poderia dizer que suas funções colidem com as do aparato governamental. Todo e qualquer governo precisa de informações e diagnósticos precisos sobre a população e a realidade existente. Se o nível de conhecimento objetivo for baixo ou precário, a própria eficácia administrativa ou política ficará comprometida.
Há, pois, questões que são preliminares a qualquer espécie de reengenharia. O que representa a instituição visada para o próprio poder público e para a coletividade? Quantos investimentos e avanços operados nela se dissipam? O quanto se perde com a redução do seu ritmo de desenvolvimento? Qual é sua importância intrínseca e qual a margem de economia e preservação de seus meios e fins? Quanto tempo poderá durar e quais são os efeitos negativos previstos da intervenção?
Em casos extremos, é necessário sacrificar uma perna gangrenada para salvar o paciente. Isso não parece ser o que acontece com a Fundação Seade. Com verbas mínimas e deficientes cronicamente, tem proporcionado rendimento máximo. Impôs-se como centro de investigações demográficas, estatísticas, econômicas e sociológicas do mais alto prestígio, que reúne brilhante equipe de especialistas e divulga publicações especializadas e análises sistemáticas de grande valor descritivo e interpretativo.
Haverá alguém para desfazer os nós daninhos do processo regressivo que a atinge quando se fizer a recuperação?

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