São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 1995
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Alguém está mentindo

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Tem alguma coisa errada nessa história dos colecionadores de armas. Um dos enigmas do Rio, entre os muitos a que se permitem uma cidade cheia de encantos mil, é o da violência.
Os marginais possuem um arsenal sofisticado e sempre renovado de armas poderosas e modernas, num fluxo que nunca acaba. Nenhuma delas, sabidamente, é fabricada no Rio de Janeiro ou em cidades vizinhas, como Niterói ou Nilópolis.
Nos entreveros entre o crime a lei, a superioridade de armamento é notório. Um policial médio enfrenta o bandido com um revólver que dá, em média, seis disparos. Depois disso, o policial tem de recarregar sua arma -uma pausa que lhe é fatal.
O bandido dispõe de pequenas metralhadoras de bolso, capazes de 15 a 35 tiros -as mais modestas. Na guerra, como nos parlamentos, a contabilidade é o que conta: quem tem mais tiro ou voto ganha.
O Exército, que controla os colecionadores de armas, garante que o contrabando apreendido semana passada não é contrabando. O volume, a qualidade e a presteza com que a remessa foi explicada tornam o caso no mínimo suspeito.
Quando se pensa em colecionador, logo se pensa no filatelista -talvez o mais popular e universal praticante do gênero. Ele coleciona selos raros, espécimes que por isso ou aquilo, até mesmo defeito na impressão ou picotagem, valoriza o espécime. No caso das armas, imagina-se o cara que vai juntando armas antigas ou curiosas, lanças romanas, adagas medievais, arcabuzes coloniais, fuzis de 1914.
Como há gosto para tudo, admitamos que alguém prefira colecionar armas que estão saindo dos fabricantes, ainda fora do mercado -justamente essas que a polícia encontra em poder dos bandidos ligados à droga, que têm dinheiro para esse tipo de modernização operacional.
Um colecionador às vezes tem duplicatas -em criança, colecionava figurinhas das balas Ruth. Troquei 10 Tiradentes e 50 Artur Bernardes pela difícil, a impossível, borboleta da meia-noite. Não estou mentindo.

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