São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 1995
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Por uma privatização poliglota

LUIS PAULO ROSENBERG

Do tabu a tetéia, a idéia de privatização evoluiu, até capturar corações e mentes no Brasil. No fervor privativista que se apossou tanto dos estatizantes do passado como dos fisiologistas de plantão, fica difícil saber qual imagem é mais eloquente: a do ministro do Planejamento, batendo o martelo no lance final da Escelsa ou a do presidente do PFL, exigindo mais rapidez na privatização.
Apesar de reconhecer os avanços, confesso minha frustração com os resultados alcançados. Não com a velocidade do processo, pois quando se vende ativos pertencentes à sociedade, transparência e lisura nunca são excessivas. Nem com a acusação de pouca importância das empresas privatizadas, já que se transferiu todas as siderúrgicas estatais para o setor privado.
Tão pouco perturba-me o uso das moedas podres, em vez de dinheiro, como meio de pagamento: o papel central da privatização é honrar dívidas do Tesouro, para recuperar sua credibilidade, esgarçada por décadas de inadimplência. Portanto, até prefiro ver resgatados títulos de crédito apodrecidos pelo calote do próprio governo, do que colocar mais recursos nas mãos de uma equipe que triplicou a folha de pagamento do governo federal desde que assumiu.
Minha decepção com a privatização decorre da seguinte constatação: até hoje, jamais tivemos um leilão ao qual comparecesse uma empresa multinacional do setor da estatal em privatização, com o intuito de adquirir seu controle. Na verdade, sequer chegamos a ter investidores estrangeiros institucionais avidamente disputando a compra de qualquer das estatais já leiloadas. É realmente estranho, porque o capital estrangeiro disse presente nas privatizações de economias mais primitivas que a nossa, com estatais menos atraentes, no Chile, no México e na Argentina.
Enquanto isto, aqui, os leilões se sucedem com os mesmos grupos nacionais abocanhando, ora um, ora outro, nossas estatais. Realmente seria bem mais desejável ver o investidor estrangeiro comparecendo para disputar as empresas públicas, encarecendo o preço de venda, assegurando recursos para a futura expansão e aportando tecnologia.
A resposta, simples e dolorosa, não passa por complôs de grupos nacionais para saquear o Estado, como se apressarão a pensar os fanáticos das explicações conspiratórias para todos os nossos males. A razão pela qual não há interesse estrangeiro em investir nas nossas estatais é porque somos um país que não respeita direitos adquiridos.
Um governo que quisesse vender bem suas estatais, deveria começar por transformar suas bolsas de valores em santuários do capitalismo (leia-se: defendendo os acionistas minoritários contra abusos dos controladores), fomentando assim a percepção da segurança e respeito aos direitos de um potencial investidor.
Aqui, o governo é o primeiro a conspurcar a honorabilidade das bolsas. Bastam dois exemplos para ilustrar como o desrespeito aos direitos dos minoritários no Brasil deveria ser assunto até da Anistia Internacional: a venda compulsória das NTN-P e o aumento de capital da Telebrás, em 1990.
No primeiro caso, o Executivo determinou que todo o caixa gerado pela venda de qualquer estatal seja transferido ao Tesouro, pela aplicação dos reais obtidos em NTN-P, títulos públicos de 15 anos, rendendo 6% ao ano. O absurdo é óbvio: qual o processo legítimo de distribuição do resultado da venda de uma distribuidora estatal de energia, por exemplo, se o governo possui 20% da Eletrobrás, proprietária integral da subsidiária privatizada por, digamos, R$ 1 bilhão?
Manda o bom senso que o Tesouro promova uma redução do capital social da Eletrobrás, aproprie-se dos R$ 200 milhões correspondentes à sua participação e, os minoritários, dos restantes R$ 800 milhões. Pela legislação atual, a Eletrobrás transferiria a totalidade dos recursos ao Tesouro, a taxas ridiculamente inferiores às do mercado, esbulhando assim o acionista minoritário.
O outro exemplo, o aumento de capital da Telebrás há cinco anos, é igualmente devastador para os investidores: a empresa chamou capital e os minoritários compareceram com cerca de US$ 100 milhões para adquirirem as novas ações a que faziam jus. Pois bem, depois que a Telebrás havia recolhido o dinheiro deles, César Maia denunciou que os recursos seriam utilizados para acertos escusos entre a Telebrás e uma fornecedora.
Investigada a acusação, num país civilizado estariam presos ou os autores da maracutaia, se culpados, ou o denunciante, se caluniador. Em qualquer caso, os minoritários estariam, desde o início, na posse de suas ações. No país do Carnaval, os denunciados continuam onde sempre estiveram, o denunciante chegou a prefeito e os acionistas minoritários pagaram pelas ações que, até hoje, não receberam.
Enquanto não nos livrarmos do entulho autoritário no mercado de capitais, poderemos ter, como os filmes de faroeste, jogadores, aventureiros, bandoleiros e a velhinha de Taubaté nos leilões de privatização. Jamais uma distribuidora de energia elétrica dos Estados Unidos ou do Japão.

LUIZ PAULO ROSENBERG, 50, diretor da Rosenberg Consultoria e da Linear Administração de Patrimônio, escreve às terças-feiras nesta coluna.

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