São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A indústria de carros precisa de uma política

NELSON TAVARES FILHO

Já é consenso nacional o fato de que o vencedor das últimas eleições foi o processo de estabilização da economia. Venceu quem melhor ofereceu este produto, não apenas pelas realizações passadas, mas também pela perspectiva que podia oferecer à população.
Mas o processo de estabilização não pode ser considerado um fim em si. Ele é uma condição fundamental para que possamos colocar o país na rota do desenvolvimento auto-sustentado.
Parte do governo também entende que, além de políticas de estabilização, é necessário adotar outras que induzam ao investimento na criação de riquezas. O debate encontra-se hoje neste ponto, particularmente inflado pelas medidas provisórias 1024 e 1047, que concedem incentivos à cadeia produtiva da indústria automobilística.
As MPs colocaram no centro da discussão a necessidade de uma política industrial, e se esta comporta medidas diferenciadas por setores produtivos. Eis algumas razões pelas quais consideramos providenciais as medidas tomadas:
1) A implementação de cotas de importação para veículos não é uma medida inusitada no cenário internacional. A Europa estabelece cotas sobre a importação de carros japoneses. A discussão nos países europeus aprofunda-se a ponto de se questionar se os carros japoneses fabricados no Reino Unido são de fato europeus, tal o baixo índice de nacionalização verificado.
2) No caso brasileiro, o estabelecimento de alíquotas de importação de 70% não conseguiu e nem irá conseguir barrar as importações por diversos motivos, a saber:
.A sobrevalorização do câmbio anula em parte a alíquota de importação.
.A decisão de importação é estratégica e tomada a partir de análise de âmbito mundial. Nela influem o nível de ocupação da capacidade da empresa no seu país de origem e no Brasil, problemas trabalhistas no exterior, e decisões sobre o momento oportuno de investimento, entre outras variáveis.
.A importação de automóveis é realizada por meio de créditos que o país exportador oferece ao importador. Geralmente são créditos de médio e longo prazo e com taxas de juros favorecidas. As empresas que importam utilizam-se destes créditos, vendem à vista e fazem aplicações no setor financeiro nacional a taxas de juros que permitem diminuir o impacto da alta alíquota de importação.
3) O Brasil firmou em 1994 acordos que aprofundaram o processo de integração com o Mercosul. O cronograma de implantação não levou em consideração que a inexistência de políticas comuns de incentivo aos investimentos fará com que as empresas invistam em países que ofereçam maiores facilidades, já que é livre o acesso ao mercado regional.
Mais do que por causa das importações de 70 mil carros da Argentina, o Brasil estava perdendo a corrida na obtenção de investimentos de cerca de US$ 10 bilhões, que estavam se dirigindo ao nosso vizinho devido aos incentivos lá oferecidos.
4) O Brasil não está ainda em condições de gastar cerca de US$ 5 bilhões com importações de automóveis. Os gastos estavam tendendo a significar cerca de 10% das importações brasileiras.
Dos grandes grupos que compõem a nossa pauta de importações, o de bens de consumo duráveis era o único que podia ser alvo de políticas específicas por parte do governo, pois nos demais -bens de capital e insumos- estas mudanças afetariam diretamente a produção industrial e a renovação do parque industrial.
Adicionalmente é oportuno levar em conta dois aspectos fundamentais. Primeiro, o setor de autopeças necessita passar por transformações em uma velocidade que está em descompasso com sua capacidade de investimento. É necessário tomar medidas que auxiliem a consolidação do setor. Não há indústria automotiva sem um forte setor de autopeças.
Segundo, é necessário que o governo estabeleça a ligação destes incentivos com a performance de investimentos das montadoras, condicionando os benefícios à novos investimentos em ampliação da capacidade produtiva.

Texto Anterior: Por uma privatização poliglota
Próximo Texto: Empresas mexicanas têm valor reduzido
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.