São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 1995
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Vende-se: ex-centro de tortura, em bom estado

MOACYR SCLIAR

"Vende-se, para empresa interessada em se instalar na capital portenha, um amplo local, desocupado. O prédio tem várias salas, muito espaçosas e bem iluminadas. A rede elétrica está em excelentes condições; no passado, era usada em aparelhos que davam descargas de alta voltagem e sempre aguentou bem. Há um pátio que permite o discreto estacionamento de automóveis, uma porta traseira por onde as pessoas podem entrar e sair sem ser vistas e também uma entrada secreta, que em caso de necessidade pode ser usada. O isolamento acústico é perfeito; os interessados podem testá-lo por si mesmos. Da rua não se ouve nada, nem mesmo gritos muito altos e/ou desesperados. Além das instalações mencionadas, há um grande porão. Atualmente está desativado, mas pode servir de depósito de grande segurança, pois há vários compartimentos gradeados.
Alguns antigos servidores da casa, muito apegados a ela, podem ser recrutados pelos interessados -por exemplo, em serviços de vigilância. São homens já de certa idade -o tempo de serviço de alguns deles já é bastante longo-, mas todos mostram ainda muita robustez.
Há no local antigos instrumentos, sobre cuja finalidade o potencial comprador sem dúvida inquirirá. É preciso esclarecer que funcionava ali uma Escola de Mecânica. Ora, os dispositivos mecânicos do passado, ainda que se trate de passado recente, às vezes parecem curiosos e mesmo intrigantes, de modo que não é preciso se impressionar com tais objetos, que agora têm até valor sentimental.
Os interessados também devem ficar prevenidos acerca de certos rumores -a rigor, lendas- que correm acerca do local ora posto à venda. Como todo prédio antigo, ele inspira certos temores. Esses temores, por sua vez, originaram histórias tão absurdas que se desmentem por si próprias. Parece-nos prudente, contudo, alertar os interessados. Dizem que, à noite, pode-se ouvir -principalmente no porão- gritos, gemidos, pedidos de socorro, entremeados com ameaças e impropérios. Também não faltam pessoas que desfilem na Plaza de Mayo -em pleno centro da capital!- falando de fatos lamentáveis pretensamente ocorridos no local ora à venda. Qual o interesse dessas pessoas senão trazer à baila problemas que não ocorreram, ou que, se ocorreram (um ou outro abuso é inevitável, mesmo em locais de trabalho sério), mereciam ser esquecidos?
Senhores compradores; ignorem esses detalhes, por favor. Tenham em vista que o negócio ora proposto é uma pechincha, uma barganha. Se vocês têm algo a dizer a respeito, é melhor ir confessando logo. Nossa paciência tem limites, sobretudo com gente da laia de vocês. Querem que aumentemos a voltagem? Hein? Querem que aumentemos a voltagem?

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