São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 1995
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Um aspecto meio esquecido da reforma tributária

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Aproxima-se, ao que parece, o momento em que o governo federal apresentará finalmente a sua tantas vezes anunciada proposta de reforma tributária. A julgar pelo noticiário, não existe, por enquanto, uma preocupação prioritária com um aspecto da reforma que é de importância crucial no caso brasileiro: o fortalecimento do aparelho de arrecadação e cobrança, precondição para um combate eficaz aos elevados níveis de evasão tributária.
O grande economista Nicholas Kaldor observou certa vez que nos países subdesenvolvidos as pressões políticas conduziam com frequência a que a administração tributária fosse inoperante. ``Um sistema fiscal ineficiente", escreveu ele, ``será sempre preferido por todos aqueles a quem um sistema adequado e eficiente possa afetar; e, como estes formam o grupo de maior influência na sociedade, surgem os mais formidáveis obstáculos políticos contra a criação de qualquer sistema eficaz de tributação."
Embora feitas há quase 40 anos, estas observações podem ser aplicadas ``ipsis verbis" à situação brasileira. Nos últimos tempos, a Receita Federal, por exemplo, tem enfrentado graves carências em termos de recursos humanos e materiais. Com isso, o risco associado à evasão acaba sendo baixo, o que contribui decisivamente para favorecer a proliferação do fenômeno nas suas diversas formas (inadimplência, ``planejamento tributário", sonegação pura e simples etc.).
Um levantamento realizado pela Receita no ano passado trouxe informações edificantes sobre as práticas tributárias dos contribuintes de maior patrimônio.
Num universo de 460 indivíduos, proprietários dos maiores patrimônios declarados, com valores entre US$ 19,2 milhões e US$ 784,3 milhões, constataram-se, entre outras, as seguintes barbaridades: a) 45% desses indivíduos calcularam um imposto devido na declaração menor que US$ 20 mil; b) 12% deles ``justificaram" aumentos substanciais de patrimônio com rendimentos isentos ou não tributáveis; c) 5% aumentaram seus patrimônios sem justificativa de rendimentos de qualquer espécie; e d) de maneira geral, verificou-se que os rendimentos dos 460 ``contribuintes" eram de montantes comparáveis aos de pessoas de classe média!
Há casos inacreditáveis: o maior proprietário de terras do país (pessoa física) declarou prejuízos em sua atividade rural e acabou pagando imposto de renda semelhante ao de um metalúrgico do ABC!
A esse ponto chega a desfaçatez de muitos integrantes da elite econômica deste país. O próprio estudo da Receita conclui: ``as pessoas mais ricas do Brasil, em geral, consideram-se fora do raio de atuação da Receita Federal e chegam mesmo a desafiá-la acintosamente com os números apresentados em suas declarações."
O problema não é apenas o desaparelhamento da Receita. Celecino de Carvalho, assessor do ministro da Previdência, descreveu quadro semelhante para o INSS, em seminário sobre a questão tributária, realizado recentemente na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.
Para cerca de 2 milhões e 600 mil estabelecimentos catalogados, o INSS dispõe de apenas 3.500 fiscais trabalhando na fiscalização. Segundo ele, em consequência da falta de recursos humanos e de informática, o INSS fiscaliza apenas 8% a 10% do número de empresas que deveria fiscalizar! Não é à toa que a evasão prospera no país.
Mesmo quando apanhado, o evasor ainda dispõe de diversas possibilidades para protelar, durante muitos e muitos anos, o cumprimento das suas obrigações tributárias, tanto por meio de recursos administrativos quanto judiciais, tirando partido da desestruturação e morosidade dos Conselhos de Contribuintes, da Procuradoria da Fazenda Nacional e da Justiça.
Quem quer que examine essa questão com um mínimo de isenção não poderá deixar de concluir que a recuperação das condições de funcionamento dos órgãos ligados à arrecadação e cobrança de tributos constitui uma dimensão prioritária da reforma tributária. Se não houver vontade política de enfrentá-la, a reforma cairá no vazio e não produzirá um sistema tributário eficaz e socialmente justo.

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