São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 1995
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Fuentes retrata Seberg quando Diana

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

É raro, mas acontece: uma deusa do cinema se apaixona por um intelectual, provocando no resto da classe comentários do tipo: ``Por ela, eu até abriria mão do Prêmio Nobel".
Marilyn Monroe casou com Arthur Miller, Ava Gardner teve um caso outonal com Robert Graves. Agora ficamos sabendo que Jean Seberg transou durante dois meses e meio com o escritor mexicano Carlos Fuentes, autor de ``A Morte de Artêmio Cruz".
Os detalhes desse ``affair" estão num livro que a editora Rocco acaba de traduzir, cujo título, ``Diana ou A Caçadora Solitária", é uma incógnita decifrada pelo autor, que atrás da deusa romana ocultou a identidade da musa de ``Acossado", Jean Seberg, ou Diana Soren, como preferiu chamá-la.
Também disfarçou outros, facilmente identificáveis por qualquer cinéfilo. Jeffersontown é Marshalltown (em Iowa, Meio-Oeste dos EUA, onde Seberg nasceu em 1938); Lew Cooper é o ator Lee J. Cobb; e o filme que ambos foram rodar no México, nos primeiros meses de 1970, com David Janssen no papel principal e Bernard Kowalski na direção, estes dois citados sem nome no livro, é ``Macho Callahan". Como não li ``Played Out", biografia da atriz escrita por David Richard, quase todos os fatos narrados em ``Diana" me soaram como novidade.
Conhecíamos suas façanhas cinematográficas (escolhida por Otto Preminger, entre 18 mil candidatas, para ser a heroína de ``Santa Joana", primeira estrela importada pela Nouvelle Vague etc), seu engajamento político (acabou ligada ao grupo radical Panteras Negras), seu casamento com o escritor francês Romain Gary (no livro identificado como Ivan Gravet), a criminosa perseguição que lhe moveu o FBI e seu trágico destino (suicidou-se em Paris em 1979), mas não as intimidades que Fuentes indiscretamente desvela, depois de 25 anos de indecisão.
E não sei quantos de culpa. Culpa por ter traído sua mulher e não ter sabido amar Diana como ela precisava ser amada.
Ninguém, aliás, soube amá-la. Nem seus maridos, nem seus incontáveis amantes. ``Não se gostava, não se merecia a si mesma, queria ser outra, não se achava à vontade dentro de sua própria pele", explica Fuentes, que afinal não correspondeu ao papel por ela sublimado. E acabou trocado por um jovem militante político mexicano, feio, grosseiro, fedorento e desdentado, mas, segundo ela, ``revolucionário de verdade, alguém cujos atos correspondem às palavras". De imediato, admitiu que carecia de um homem que a devolvesse ao esgoto, fazendo-a sentir que nenhuma importância tinham a sua fama e o seu dinheiro.
Num encontro com Fuentes, na Holanda, poucos anos depois da morte da atriz, Romain Gary definiu-a como a síntese de uma geração idealista, incapaz de vencer uma sociedade degenerada e um governo imoral, o americano.
Por ordem expressa de J. Edgar Hoover, o todo-poderoso chefe do FBI, Seberg foi vigiada, perseguida e caluniada pelo serviço de contra-inteligência dos EUA. Espalharam até que ela fora engravidada por um líder dos Panteras Negras, calúnia só assumida como tal pelo FBI na década de 80.
Lê-se ``Diana" como uma novela erótica e, ao mesmo tempo, como um livro de memórias, repleto de digressões literárias e reflexões sobre a repugnância dos coquetéis, os prazeres sensoriais oferecidos pelas papelarias de Londres e Nova York, a imigração ilegal dos mexicanos para os EUA, o macarthismo e a falácia da inocência perdida pelos norte-americanos na guerra do Vietnã.
O estilo de Fuentes lembra, às vezes, o de Arnaldo Jabor (``a violência, instalada como bumeranque, nas ruas sacrossantas da subúrbia profanada pelo crime"). Mas não é bem por causa de suas hipérboles e as suas frases de efeito que ``Diana" será procurado nas livrarias.
Fuentes conta tudo. Se fosse um cavalheiro, jamais teria escrito ``Diana". Pele macia e perfumada, Seberg era um vulcão sexual. Corneava o marido em todas as filmagens (antes do escritor mexicano fora amante de Clint Eastwood), cultivava fetiches e usava cremes vaginais com variados sabores de fruta. Santa, só na tela. Mas Joana D'Arc ela conseguiu ser na realidade.

Livro: Diana ou A Caçadora Solitária
Autor: Carlos Fuentes
Preço: R$ 15

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