São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 1995
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`Turismo é poder conversar com as pessoas'

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando Cristiana Cerchiari, 20, se lembra da cidade de Nova York, pensa que em suas ruas quase não há buracos. Uma cidade propícia a longas caminhadas, mas que guarda em relação a São Paulo uma semelhança: a fumaça e o barulho das ruas.
Cristiana sempre viaja com seus pais. Mas, durante um ano, estudou em uma escola para deficientes visuais na Filadélfia, também nos EUA. E aproveitou para conhecer algumas cidades daquele país, como Washington, Boston e o Estado de Virgínia Ocidental.
``Eu procuro aproveitar o que posso dos lugares que visito", diz Cristiana sobre suas viagens.
Sua maneira para conhecer a cidade é por meio da imaginação associada às suas impressões. Como suas visitas aos museus.
``Quando estou com minha irmã, ela me descreve os quadros ou as esculturas que eu não posso tocar. Imagino então como seriam as cores." Cristiana perdeu a visão no nascimento.
Sua amiga Estela Penteado de Camargo, 33, prefere visitar cidades brasileiras. Ao lado de seu marido, também deficiente visual, gosta de lugares quentes, materializados nas praias do Nordeste.
``O mar de lá é diferente e eu adoro ouvir o sotaque das pessoas, a cultura e a educação dos que estão ao redor. Turismo é poder conversar com as pessoas". Ela e seu marido sempre viajam sozinhos.
Sua próxima viagem já está programada: Isla Margarita, no Caribe. Nos lugares que visita, a única coisa que incomoda são as formas sutis ou brutais de preconceito.
Estela enxergou até os 23 anos. Perdeu sua a visão em consequência do diabetes e sabe que as pessoas dificilmemte confiam na capacidade das pessoas cegas. Ou, ao menos, na possibilidade de uma relativa independência.
O que pode ser ilustrado por um episódio ocorrido em uma das viagens do casal, quando tentaram se hospedar em um spa. O gerente do local só os aceitaria se fossem acompanhados. Preferiram não ir.
Mas existem aqueles que trabalham com a noção de que o deficiente também é um consumidor de cultura, viagens e passeios.
O Jardim Botânico do Rio de Janeiro inaugurou no último mês de março o ``Jardim Sensorial", um parque com inúmeras espécies de plantas. Todas explicadas por placas em braile e , também, por Itamar da Silva Filho, 22, que cuida da manutenção do jardim e da recepção aos visitantes.
Itamar, que é também deficiente visual, recebe grupos de vários países diariamente e acredita que esse é o tipo de projeto que deveria ser expandido: ``Acho excelente essa iniciativa. Que bom que abriram os olhos a isso."
(MR)

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