São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 1995
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Paris flui por meio de todos os sentidos

ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

O que é viajar sem ver? O que é conhecer cidades e países sem enxergar? O que é estar em Paris sem poder admirar os contornos da torre Eiffel, a arquitetura dos edifícios ou o brilho esfuziante da cidade iluminada?
Para o vidente há uma relação indissociável entre viajar, olhar e conhecer. O olhar é o meio pelo qual o viajante conhece o mundo, que não é seu.
Conhecer um lugar confunde-se assim com as imagens que a retina guarda do que já foi visto. Por acaso, não haverá um olhar sem ver, do mesmo modo que um ouvir sem escutar? Quando Beethoven, já surdo, regia as sinfonias que compôs, não ouvia ele os acordes de cada instrumento da orquestra?
O cego não apenas olha, sente. Capta formas, sons, gosto e cheiro. Busca a alma do lugar, aquilo que o torna próprio, particular. Persegue a totalidade integrando as partes isoladas.
Paris tem formas abundantes. Tem, ao mesmo tempo, as formas das mulheres jovens e maduras, a expressividade das esculturas de Rodin. Exibe os traços doces de Camille Claudel e as feições rudes de Rose Beuret.
Em meio à turbulência dos tempos, vibram sons imemoriais, gritos de multidões enfurecidas, gemidos de desespero exprimem a dor dos condenados por Robespierre. O ruído dos passos dos soldados alemães durante o período de ocupação convive com a euforia da liberdade conquistada.
Nos cafés é possível ouvir alguém comentar os problemas governamentais com a mesma naturalidade com que se discute a rotina morna do cotidiano. Na ``gare du nord", o mendigo não hesita em pedir dinheiro para comer.
O francês com acento africano é ouvido um pouco por toda parte. Pessoas vindas de terras distantes falam de saudades e esperanças, sem esquecer de contestar as restrições impostas pela imigração.
Paris tem o gosto do vinho, dos queijos e dos beijos dados ou simplesmente desejados. Nela, o sabor requintado da ``ancienne cuisine" está há poucos metros da modernidade das redes de fast food.
No ar de Paris flutuam o odor dos perfumes finos, das celas imundas e já destruídas da Bastilha. Os ``banlieus" afastados, os edifícios de séculos diversos, os mercados de ontem e de hoje exalam mil cheiros que se fundem.
Paris é a sensibilidade para senti-la em sua unidade múltipla, cidade na qual o grande fotógrafo cego retrata uma realidade imaginada. Para conhecer Paris é necessário desvendá-la com o olhar penetrante da sensibilidade.

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