São Paulo, sexta-feira, 21 de julho de 1995
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O fantasma da recessão

JOSÉ W. ROSSI

JOSÉ W.ROSSI
A brusca queda na inflação, passando de taxas mensais de 40% para cerca de 2%, foi sem dúvida a maior realização do Plano Real até aqui. Entretanto, caso a inflação não seja reduzida ainda de modo significativo, o sucesso logo se tornará um fracasso, pois as taxas atuais são inaceitáveis pelos padrões internacionais. O grande desafio agora é como reduzir a inflação sem provocar recessão.
Uma importante característica dos planos de estabilização é o aumento imediato no consumo. Isso se dá, em geral, pela utilização de ativos acumulados ao longo do tempo. O uso das reservas cambiais é aqui um bom exemplo, já que representam uma poupança da sociedade frente ao resto do mundo. Maior consumo permanente ao longo de todos os segmentos da sociedade só é possível, todavia, aumentando a produção.
No caso do Plano Real, o consumo de alimentos aumentou pela redução no imposto inflacionário que incidia de modo mais cruel sobre os segmentos de renda mais baixa. Isso é certamente um resultado positivo do plano, sendo tanto melhor quanto mais tais recursos tenham sido obtidos pela redistribuição da renda proveniente de grupos econômicos do setor privado melhor aquinhoados.
Já o aumento no consumo de bens duráveis não estaria necessariamente relacionado à maior renda presente. Como os economistas sabem, as decisões de consumo estão muito associadas à renda esperada. Se o indivíduo vê o futuro com otimismo poderá consumir mais recorrendo ao crediário.
É claro que, se o seu otimismo for infundado, tem-se a mera inadimplência. Isso explica o que tem ocorrido com boa parcela dos indivíduos, conforme recentes estatísticas do comércio.
É bom ressaltar que tudo em economia tem um preço. A evidência empírica disponível para várias experiências de planos de estabilização sugere ser alto o custo da queda da inflação, sendo tanto maior quanto menor for a credibilidade do programa.
O caso do Brasil não fugiria à regra geral. Há entre nós apenas muita mistificação em torno desse tema. O fato é que os nossos economistas não são mais criativos do os do resto do mundo. Nem é a macroeconomia diferente nos trópicos, como alguns parecem sugerir. Assim, o custo da estabilização econômica seria igualmente elevado entre nós.
A propósito, qual tem sido o preço pago pela queda da inflação no Brasil? Pode-se afirmar, com segurança, que a defasagem cambial é um componente importante desse preço. O câmbio sobrevalorizado, por baratear as importações e encarecer as exportações, tem permitido aumentar a oferta de bens na economia, freando o aumento dos preços internos.
Essa estratégia não durará muito, pois o déficit em conta corrente deste ano talvez chegue a US$ 20 bilhões. Compensar isso atraindo os capitais estrangeiros dando-lhes altas taxas de retorno não é uma boa idéia, como bem demonstra a experiência atual do México, pois tais aplicações financeiras são voláteis e retornam ao país de origem ao menor sinal de instabilidade.
Há certo consenso entre os analistas econômicos de que pouco se avançou em matéria de ajuste fiscal. É ilusório pensar na estabilização da economia apenas via política monetária (altas taxas de juros) e com o atraso cambial. As altas taxas de juros, além de aumentar o encargo da dívida pública e inibir os investimentos privados, nem sempre reduzem o consumo.
A pouca sensibilidade do consumo ao aumento dos juros no Brasil deve-se ao perfil de curtíssimo prazo da dívida pública, trazendo, assim, alto retorno aos detentores de papéis do governo. Já o atraso cambial, se por um lado permite conter o aumento dos preços, por outro tira a competitividade das exportações, levando ao esgotamento das reservas em dólar.
Diante de tantas dificuldades que nos aguardam, seria recomendável alguma moderação nas comemorações do primeiro aniversário do Plano Real que, de qualquer modo, é ainda uma planta tenra.
Com tanta carência no plano social e sendo crescente o enorme passivo representado pela miséria, há que ter não apenas um ano bem sucedido na gestão da economia, mas décadas seguidas de progresso. Só com muito investimento em capital humano e na infra-estrutura (indústria e social), se terá o crescimento sustentado do país.

JOSÉ W.ROSSI, 49, é economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor do Departamento de Economia da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

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