São Paulo, sexta-feira, 21 de julho de 1995
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Maconha

A maconha (Cannabis sativa) foi provavelmente a primeira planta que o homem usou para fabricar fibras e também -a carne é fraca- para embriagar-se. Ao que tudo indica, ela surgiu no norte do Himalaia. Escritos antigos apontam que já em 2.800 a.C. os chineses a utilizavam. Há indícios de que a planta já era conhecida na Pré-História.
A erva rapidamente se popularizou. Na Índia é conhecida como ``bhang", ``charas" ou ``ghanga"; no Egito e Ásia Menor, haxixe; no norte da África é ``kif". O português ``maconha" vem do quimbundo (língua banta africana) ``ma'kaña", plural de ``di'kaña" (erva santa).
A fértil imaginação de brasileiros e africanos criou uma rica lista de sinônimos para designar essa variedade de cânhamo: liamba, aliamba, diamba, riamba, bagulho, bengue, birra, dirígio, erva, fuminho, fumo, fumo-de-angola, mato, pango, soruma, manga-rosa, massa, tabanagira. Há o mais universal marijuana.
Apesar de antigo, o hábito de embriagar-se com a Cannabis sativa muitas vezes foi visto com maus olhos. Um grupo de cruzados europeus teve de enfrentar -com pouco sucesso, acredita-se- uma seita islâmica bastante valorosa em combate. Eram os ``hashshashin" (``bebedores de haxixe"). Atribuindo a ferocidade da seita à droga, os europeus retornaram em menor número à sua terra natal e trouxeram de quebra a palavra ``assassino".
A idéia do Ministério da Saúde de liberar o mais importante princípio ativo da Cannabis sativa, o tetrahidrocanabinol (THC), para uso medicinal -em que pese os resultados frustrantes do seminário de ontem- é mais do que oportuna.
Os próprios EUA, os inimigos número 1 do tráfico, já incluíram o THC em sua farmacopéia. A ONU, sob recomendação da OMS, retirou o THC da lista 1 -a das drogas proscritas- para incluí-lo no rol dos medicamentos controlados.
A droga já revelou grande valor no combate às náuseas e vômitos de pacientes de câncer submetidos a sessões de quimioterapia. Também está comprovada sua ação no tratamento do glaucoma. Estudos ainda inconclusivos indicam que o THC pode ter algum valor terapêutico para epilépticos.
Permitir que médicos recomendem a seus pacientes que procurem um traficante para obter uma droga que pode fazer bem à sua saúde ou melhorar a sua qualidade de vida é um contra-senso. A liberação do THC como substância médica controlada é um imperativo. A morfina, estupefaciente do grupo das opiáceas muito mais poderoso que o THC, circula pelos hospitais sem que isso se tenha transformado num problema de saúde pública.
Seria ridículo que falsos moralismos e hipocrisia impedissem que uma droga que pode ajudar muitos seja comercializada legalmente.

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