São Paulo, sexta-feira, 21 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Violência ``natural"

Fulano rende beltrano e pede ajuda a um posto da PM; ao conduzi-lo à autuação, os policiais batem no assaltante; como a surra continua na delegacia, fulano decide dar queixa também da violência policial, para espanto da delegada: ``Nem o assaltante reclamou do tratamento", diz ela.
Essa parece ser a reação de boa parte do senso comum brasileiro a respeito do problema da violência no país. Linchamentos, chacinas, retaliações, queimas de arquivo, exorbitância no exercício das funções, impunidade, dupla jornada como policial e bandido: todas essas anomalias, em sua incidência rotineira, já parecem aceitáveis.
Nem mesmo as tragédias da Candelária e da Casa de Detenção conseguiram reverter a atual tendência de incorporação das atrocidades ao cotidiano, capaz de produzir aquilo que o coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP chama de ``números delirantes", ao se referir à média de 56 pessoas mortas por mês pela Polícia Militar neste ano, 23% superior à de 1994.
Entretanto, as querelas dos números são quase sempre infindáveis, e participar delas pode ser, muitas vezes, um meio de se adiarem as soluções, sob o manto da racionalidade estatística. Mesmo a denúncia dos maus salários pagos aos policiais parece não dar mais conta do problema. Copiosos são também os exemplos de delinquência entre os abastados.
Não se duvida hoje de que a eficácia na contenção da violência passa necessariamente pela ação ágil e firme do Poder Judiciário. Mas a reversão do processo de ``naturalização" da delinquência depende de uma ampla ação reeducativa que interfira diretamente no automatismo da truculência policial e na apatia autodefensiva do cidadão frente à barbárie urbana.

Texto Anterior: Maconha
Próximo Texto: A luta pelo investimento
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.