São Paulo, sábado, 22 de julho de 1995
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Sociólogo português questiona presidente

JAIR RATTNER; MARTA SALOMON

JAIR RATTNER
Em Coimbra
O sociólogo Fernando Henrique Cardoso deixou a Universidade de Coimbra com um dever de casa: responder às perguntas feitas por seu colega português Boaventura de Souza Santos durante a cerimônia de doutoramento.
A intervenção destoou da tradição acadêmica nesse tipo de homenagem que, em geral, se resumem a elogios ao homenageado.
``Vai, de fato, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso ensinar o político Fernando Henrique Cardoso a ser um bom presidente, fiel ao programa de mudança social democrática e progressista há muito traçado ou, pelo contrário, vai o político Fernando Henrique Cardoso, feito presidente, lembrar ao sociólogo Fernando Henrique Cardoso que os tempos mudaram, e que as idéias saíram do lugar?"
Souza Santos lembrou o discurso de posse de FHC, em que ele dizia que o país vai dar certo. ``Irá?", questionou o professor, preocupado em investigar o que chamou de ``apaixonante aventura do presidente-sociólogo".
Ao apresentar a obra de FHC, o intelectual português disse que é muito cedo para saber a resposta para suas perguntas, mas insiste: "a pergunta é válida.
E explicou: ``Perguntar se Fernando Henrique Cardoso vai dar certo equivale a perguntar se o vasto e profundo conhecimento acumulado por ele sobre o Brasil é suficientemente certo para devolver aos brasileiros a certeza da esperança".
Souza Santos aproveitou seu discurso para dar conselhos ao sociólogo-presidente. ``Barbas de molho", foi o primeiro deles.
O professor lembrou a FHC que o modelo social-democrata defendido poucos minutos antes está em crise na própria Europa e recomendou: ``Há então que o reinventar profundamente".
PT protesta
Enquanto FHC era homenageado, do lado de fora do prédio, três membros do núcleo do PT de Lisboa exibiam faixa com slogan: "FHC: professor teoriza contra a dependência - presidente pratica a dependência".
Fernando Henrique é um dos autores da teoria da dependência, segundo a qual os países subdesenvolvidos têm seu crescimento determinado pelo funcionamento das economias dos países do Primeiro Mundo.
A homenagem a FHC começou com duas horas de atraso. Seguiu um ritual praticado desde a Idade Média, com roupas típicas e até uma charola -banda de sopro que toca músicas medievais.
O presidente vestiu uma toga, com um capelo -uma capa pequena com as cores da faculdade que deu o doutoramento: vermelho e branco, de economia. A primeira-dama Ruth Cardoso também participou da cerimônia com uma toga, mas sem o capelo.
Depois de ser apresentado aos outros doutores na biblioteca da universidade, FHC seguiu em cortejo até a Sala dos Grandes Atos, o local em que se realizou a cerimônia -um auditório que mantém a decoração do século 16.
O cortejo era aberto por um grupo de dez lanceiros vestidos em roupas medievais e pela charola. Em seguida, vinham cerca de cem doutores com suas togas, capelos e borlas (espécie de chapéus).
Na escada para a sala, os estudantes cumpriram mais uma tradição medieval: em homenagem ao doutorado, colocaram suas togas no chão para FHC pisar nelas.
Hoje, FHC recebe mais título de doutor "honoris causa", da Universidade do Porto, em uma cerimônia que acontece por causa da rivalidade entre universidades.

Colaborou MARTA SALOMON, enviada especial a Coimbra

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