São Paulo, sábado, 22 de julho de 1995 |
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Neo-feudalismo enfrenta a máquina do Estado
WALTER CENEVIVA
As origens do fenômeno são diversas. A mais remota está em que os bens de raiz perderam o significado e a importância que tinham há 500 anos atrás - para não dizer há cem anos. O feudalismo valorizava o espaço terreno. Interferências do interesse coletivo, questões ecológicas e função social da propriedade imóvel terminaram por retirar dela a expressão econômica que a caracterizava. A decadência provocada pela recessão mundial, que culminou no final dos anos 20, gerou a crise na produção de alimentos. Aumentou áreas de miséria ou de condições subumanas de vidas. Com a crise, perdida expressão econômica e política, a propriedade de imóvel e sua posse vêm sendo substituídas pelos valores mobiliários, como símbolos de riqueza e de poder. ``Royalties", ações, marcas, patentes, franquias, serviços e comunicação passaram a ser palavras chaves do domínio e do controle não-estatal. Por isso digo que estamos chegando a um neo-feudalismo. No feudalismo clássico, o monarca outorgava o direito à terra (enquanto fonte de renda). Devia ser tratada e defendida pelos súditos, por conta do rei, ao qual prestavam serviços e deviam lealdade. No neo-feudalismo a outorga é para funções privadas. Os novos senhores feudais são os grandes executivos que se movimentam sem levar necessariamente em conta o interesse coletivo. No neo-feudalismo as leis continuam a conter clichês como os da função social da empresa. Todavia, a pluralidade de sedes em vários centros econômicos extra-continentais as coloca fora de controle eficaz, pela administração local. Nesse regime cada grupo econômico age com quase total independência no feudo, ou seja em seu espaço interno. O feudo é representado pela empresa ou grupo de empresas sob a mesma direção. Utilizado em nível da sociedade em geral, terminará criando (se é que já não criou) -como no feudalismo- tiranetes isolados, providos de autoridade absoluta no âmbito de sua respectiva atuação econômica. Contribui para o desenvolvimento indicado a existência de certas hipocrisias do direito, em particular nas sonhadoras proposições programáticas de muitas constituições, em cuja eficácia concreta ninguém, em sã consciência, pode acreditar. A juridicização da mentira tem graves inconvenientes, cria perigos para a democracia. Facilita o neo-feudalismo. Habermas, em estudo publicado em 1989, escreveu que ``o Estado de direito democrático conserva um sentido normativo que aponta além do aspecto jurídico -isto é, conserva de uma só vez poder explosivo e formador- apenas com projeto histórico." O sentido normativo do Estado, na atualidade, me dá a impressão de sofrer as velhas influências clássicas do jurídico, o que o afasta das novas realidades do tempo presente e torna difícil a previsão de um futuro róseo para a humanidade. O neo-feudalismo será, na era da tecnologia cibernética, pior que seu antecessor. Texto Anterior: Súmulas vinculantes: a involução do Judiciário Próximo Texto: Leitora reclama de três feiras Índice |
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