São Paulo, sábado, 22 de julho de 1995
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O ovo e a galinha

Embora o Plano Real, aliás como qualquer plano de estabilização, tenha como finalidade antes de mais nada ``baixar a inflação", não é difícil perceber que há outros objetivos, mais difíceis de alcançar e mesmo de formular.
O desafio de ``manter baixa a inflação", por exemplo, é considerado muito mais complexo que o de reduzir, de um golpe, taxas de 50% para cerca de 2% ao mês.
A dificuldade maior, entretanto, e sem dúvida o desafio mais melindroso é a reconstrução do sistema financeiro e, portanto, da própria moeda nacional. É nesse terreno que proliferam os paradoxos do tipo ``ovo e galinha".
Um exemplo: é preciso alongar prazos nos contratos financeiros para viabilizar a estabilidade de preços, mas o mercado repelirá o alongamento enquanto não houver estabilidade convincente.
Outro: é preciso confiança no ajuste fiscal para que se viabilize a redução dos juros e o financiamento do setor público em prazos mais longos. Mas o ajuste fiscal torna-se cada vez mais difícil exatamente à medida que os juros continuam altos, incidindo sobre uma dívida de curtíssimo prazo.
Há também dificuldades de natureza técnica. Assim, de um lado é verdade que todo cuidado é pouco, que em termos de reforma financeira parece melhor ir devagar com o andor, pois o santo (a estabilidade econômica) é de barro.
Entretanto, é igualmente notório que o sistema financeiro é sempre extremamente ágil, de tal sorte que a reforma em banho-maria pode afinal traduzir-se em procrastinação, forma de ganhar tempo ou de mudar, na prática, muito pouco.
As novas regras para as aplicações financeiras anunciadas na última quinta-feira enquadram-se perfeitamente nesse figurino. Foram cuidadosas, respeitam o quadro legal, procuram dar tempo ao tempo, promovem corretamente o princípio de ``alongamento dos prazos".
Mas são também, na prática, apenas uma bem-intencionada promessa de mudança, um esboço de reforma, uma luz tênue num horizonte ainda mal desenhado.
Ainda não há respostas satisfatórias para questões cruciais, como o destino dos bancos estaduais, as regras de financiamento habitacional, o padrão de financiamento público (que depende de uma reforma fiscal ainda na prancheta) ou o destino dos recursos da privatização.
Vários desses ``ovos" o governo espera ver chocados até o final do ano. As reformas anunciadas apontam num sentido positivo, mas no curto prazo terão principalmente o efeito de, com sorte, manter as raposas afastadas do galinheiro.

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