São Paulo, sábado, 22 de julho de 1995
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Novo Estado para uma sociedade nova

ROBERTO FREIRE

Uma das crises que se abate sobre as esquerdas em todos os continentes refere-se à própria concepção do Estado. O mundo do final do século, impulsionado por uma revolução técnico-científica que ultrapassa em velocidade e em impacto econômico-social as revoluções industriais anteriores, tornou-se mais complexo. Todas as estratégias de desenvolvimento delineadas no século 19 e início deste, bem como seus atores, estão colocadas em xeque.
A classe operária em sua acepção clássica, marxista, cujo papel histórico era o de acabar de uma vez por todas a exploração do homem pelo homem, não é mais portadora de futuro, inclusive porque, com as mudanças no modo de produzir, ela dá sinais de esgotamento histórico. Em seu lugar, entra um conceito mais amplo, o do mundo do trabalho, que nasce como categoria de análise e sem projeto hegemônico encerrado em torno de si próprio.
O mercado, em que pese o neoliberalismo que o toma como fetiche, deixa de ser apenas instância econômica para também transformar-se em contenda política, já que a esquerda passou a ver no consumo elementos importantes quando se fala em justiça social.
Com a queda do chamado socialismo real -primeira vítima da revolução tecnológica-, o capitalismo em sua forma clássica dá também sinais de exaustão e será a próxima vítima. A história não acabou, até porque estão presentes séculos de miséria, profundos desequilíbrios nacionais e mundiais e, mais, o desafio de uma sociedade da barbárie.
Na era da revolução técnico-científica, em que fronteiras viram riscos de giz e o projeto de país se reproduz como identidade nacional e cultural, outro elemento, arrasador e conformador, só hoje entra em cena plenamente: a cidadania. Estados nacionais e aparatos coercitivos se tornam cada vez mais impotentes para cercear a individualidade, que reivindica cada vez mais espaços.
Vários cenários apontam para a necessidade imperiosa de redefinições do papel do Estado. Não partindo de posturas equivocadas -como a do Estado máximo ou mínimo-, mas orientados por uma visão que ainda o entende como elemento estratégico do desenvolvimento, também o vê como instância permeável à ação de uma cidadania que não permite mais ser tutelada.
Tarso Genro, em brilhante artigo publicado na Folha (18/7/95), alerta para o fato de que, na globalização, a tendência do Estado é alinhar-se cada vez mais aos monopólios que buscariam muletas mais poderosas para se afirmar no mercado mundial. Somente um forte setor público não-estatal poderia garantir não só a relativa autonomia do Estado, mas também o controle do mercado na ``nova" modernidade.
A esquerda, se quer ser contemporânea do futuro, precisa encarar com seriedade esta questão. Uma nova concepção de Estado subordinado ao público, com capacidade de regular mercado e sem mais a ilusão de sua tomada revolucionária nem de seu fortalecimento como via de transição socialista.
Certamente a esquerda não abdicará da luta pela hegemonia democrática do Estado, sabendo que o seu espaço fundamental de articulação está na sociedade civil e na esfera pública, não apenas estatal. Com essa visão poderá garantir a construção, reprodução e alargamento da sociedade democrática.

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