São Paulo, sábado, 22 de julho de 1995
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Crise de identidade

LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES

É no amor ao Estado (e no ódio ao mercado) que está a essência da esquerda após a Revolução Russa. Se imaginássemos um eixo que vai de ``mais mercado", numa extremidade, a ``mais Estado", em outra, as posições político-ideológicas que mais se aproximassem do pólo mercado seriam consideradas de direita, e as que mais se aproximassem do pólo Estado, de esquerda.
Sabemos que as classificações ideológicas são sempre sujeitas a discussões. Os trotskistas, por exemplo, se consideravam de esquerda, até de ultra-esquerda, e achavam que os stalinistas eram ``centristas". Mas os stalinistas os consideravam como agentes do imperialismo. Os fascistas são tidos pelos comunistas como ultradireitistas e, pelos liberais, como integrando a ampla família do coletivismo e do socialismo, quer dizer, a família da esquerda.
Afinal, não eram eles antiliberais, nacionalistas, defensores de uma economia fechada? Não foi Mussolini quem declarou: ``Nada acima do Estado; nada fora do Estado; nada contra o Estado"?
Dada a inexistência de convergência na classificação do que seria a ``verdadeira esquerda", vamos aceitar como sendo de esquerda tudo e todos os que dizem ser de esquerda ou são tidos correntemente como tal. É muito subjetivo, mas vai ao encontro do senso comum.
Sem sofismas, os partidos comunistas eram indubitavelmente entendidos como de esquerda. Entre nós, ninguém diz que o PT, o PC do B, o PSTU são de centro ou de direita. Os regimes políticos da ex-URSS e das antigas democracias populares eram considerados de esquerda. Por quê?
Porque neles havia mais liberdade, mais democracia, mais igualdade, mais pluralismo, mais tolerância, mais bem-estar? É óbvio que não. O que transformava esses regimes em regimes de esquerda era o fato de o capitalismo ter sido substituído por uma economia estatal. Para não irmos muito longe: na atual conjuntura brasileira, é indiscutível a vinculação entre defesa das empresas estatais, oposição às privatizações, rejeição a tudo que implique redução do Estado, por um lado, e partidos de esquerda, por outro.
A maior oposição às privatizações vem dos partidos que se dizem de esquerda. Dentro do PT, o deputado José Genoino é visto como sendo mais à direita simplesmente por admitir certas privatizações. É claro que o esquerdismo não se esgota no estatismo, mas nossa tese é de que o estatismo está na essência da definição da esquerda.
Não pode haver uma esquerda que defenda o mercado. Daí seu dilema atual: se mantiver suas velhas concepções sobre o Estado, está condenada a ser jogada ``na lata do lixo da história".
Para sobreviver, teria que abandonar o que constitui a sua identidade, quer dizer, teria que deixar de ser esquerda. Por isso, como a resposta à questão da Folha não pode ser ``sim" ou ``não", escolhi ``talvez".

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