São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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Obra de FHC é questionada nos EUA

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A reputação intelectual do sociólogo Fernando Henrique Cardoso é, de longe, a que sai mais arranhada do livro ``O Movimento da Dependência" (The Dependency Movement), publicado em 1992 pelo cientista político norte-americano Robert A. Packenham, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
Ainda inédito no Brasil, o livro pretende ser um balanço detalhado e exaustivo daquilo que se acostumou chamar de Teoria da Dependência, mas que Packenham prefere nomear de movimento ou perspectiva da dependência. Fernando Henrique Cardoso, considerado no Brasil e fora dele um dos pais e expoentes dessa tradição de pensamento que conheceu seus dias de glória entre o final dos anos 60 e o início dos 70, é justificadamente o alvo principal das análises de Packenham. Mas a avaliação que o autor faz da obra de FHC não é nada alentadora. Ambígua, contraditória e obscura são alguns dos adjetivos que Packenham usa para definir a obra de seu objeto de estudo.
Preocupado em fazer ao mesmo tempo a história do pensamento da dependência e em analisar seus pressupostos teóricos e implicações políticas, Packenham parte do princípio de que o assunto é mais ou menos como a obra de Karl Marx. Fala-se muito dele, mas pouca gente o conhece.
Depois de afirmar que há um intenso debate improdutivo em torno do tema, o autor diz que ``até que as idéias da dependência sejam melhor compreendidas, debates e tentativas de testá-las continuarão a gerar mais calor do que luz".
Engana-se quem imagina que Packenham é um franco-atirador ou um oportunista querendo aproveitar-se da fama alheia. Seu livro é obra de um acadêmico tipicamente americano. Um catatau com 320 páginas de texto e outras 30 de referências bibliográficas, nas quais estão listados 405 autores e 594 obras. O prefácio, escrito no Rio de Janeiro, data de 23 de agosto de 1991, quando FHC nem sonhava (ou apenas sonhava) ser presidente. É verdade que o autor não tem nenhum apreço especial pelos autores que estuda. Isso fica claro quando Packenham afirma que ``Cardoso é quase uma figura reverenciada. Seus trabalhos são louvados e raramente criticados de maneira séria". Para muitos acadêmicos, prossegue o texto, ``é inaceitável não estudar os trabalhos de Cardoso em profundidade e ainda mais inaceitável estudá-los em profundidade".
Diante de tal diagnóstico, o autor desce a detalhes para, segundo ele, derrubar alguns mitos que cercam a obra de FHC. É o que acontece, por exemplo, quando ele discute a paternidade da chamada Teoria da Dependência.
Dependendo do autor que se aproxima do assunto, ora ela é atribuída a FHC, ora ao economista norte-americano Andre Gunder-Frank, autor de ``Capitalismo e Subdesenvolvimento na América Latina", publicado em janeiro de 1967, mas escrito entre 63 e 65. Packenham diz que FHC reivindica para si, em pelo menos dois de seus escritos, a autoria da referida teoria. Em seguida, o autor trata de mostrar que tal fato não parece ser verdadeiro.
A argumentação a favor de Frank parece irrefutável, em que pese o caráter para muitos mesquinho da discussão. Diz o livro: ``A afirmação de que Frank é tido como fundador da escola da dependência somente por causa da barreira da linguagem não é historicamente fundamentada (Frank escreveu em inglês, enquanto FHC e Enzo Faletto publicaram `Dependência e Desenvolvimento na América Latina' em espanhol)".
Prossegue o autor: ``Primeiro, Frank publicou seu livro dois anos inteiros antes de Cardoso e Faletto. Segundo, Frank escreveu seu livro antes que Cardoso e Faletto escrevessem o deles. Terceiro, Faletto viu o manuscrito de Frank no mínimo seis meses antes que ele e Cardoso acabassem o seu próprio manuscrito. Quarto, é plausível, mas não demonstrado, que o livro de Frank sobre a dependência tenha influenciado o livro de Cardoso e Faletto. Quinto, não é plausível que o livro de Cardoso e Faletto tenha influenciado o livro de Frank".
Trabalhando como uma formiga operosa, Packenham prossegue cutucando a vaidade intelectual do ``príncipe da sociologia".
Diz, por exemplo, que FHC afirma em um de seus escritos que tinha ``calafrios" quando outros autores usavam o termo ``dependentista". Num trabalho subsequente, escreve Packenham, ``o próprio Cardoso se refere, sem ter calafrios, e de fato muito confortavelmente, aos dependentistas como um termo descritivo".
Há acusações mais graves, como as que se lê nas páginas 73 e 74, quando o autor sugere que FHC pretende ser um pensador ``dialético", quando na verdade é apenas ``obscuro".
``Contradições abundam nos escritos de Cardoso. Tais contradições são inconsistências de seus escritos e não análises de contradições sociais", escreve.
Nem mesmo a expressão ``fracassomania", usada em vários discursos pelo político FHC para criticar aqueles que apostam no fracasso, está ausente do livro. Packenham mostra que o termo foi cunhado pelo economista norte-americano Albert Hirschman, amigo pessoal de FHC. Detalhe irônico da história: segundo autor, quando forjou a expressão, Hirschman parecia incluir o próprio FHC entre aqueles intelectuais que tinham o péssimo hábito de sofrer de ``fracassomania".

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