São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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'Presidente agora está mais realista'

DANIELA FALCÃO
DE NOVA YORK

A guinada de Fernando Henrique Cardoso rumo às idéias liberais começou há pelo menos 12 anos, quando ele se tornou senador. Quem diz isso é o professor de Ciências Políticas da Universidade de Stanford (Califórnia), Robert Packenham, 57.
Para ele, a mudança é sinal de amadurecimento: ``Tinha restrições a Fernando Henrique e à maioria dos intelectuais latino-americanos que compartilhavam as idéias da Teoria da Dependência. Todos ofereciam soluções muito utópicas para resolver os problemas de seus países. Agora FHC está mais realista".
Em entrevista à Folha, Packenham afirmou que a mudança por que passou FHC era inevitável.
``Aconteceu com Menem na Argentina, com os social-democratas no Chile. Se Lula tivesse vencido as eleições, também teria que se adaptar à realidade e estaria sofrendo o mesmo tipo de críticas. Sei que o PT vai me odiar por isso, mas é a pura verdade."
Packenham, que já entrou em choque publicamente com FHC em várias ocasiões, diz que hoje se sente mais próximo intelectualmente ao presidente do que quando se conheceram, em 1971.
Packenham veio ao Brasil pela primeira vez em 1964, como bolsista da Fundação Ford, num programa de pós-graduação. Desde então, voltou ao país dezenas de vezes. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - Em seu livro ``The Dependency Movement", o sr. acusa o presidente FHC de ser pessimista. Por quê?
Robert Packenham - Porque ele, como todos os teóricos do Movimento de Dependência, criticava o modelo de capitalismo da América Latina, mas não apresentava alternativas que pudessem ser aplicadas. Seus projetos eram utópicos demais.
Folha - Como assim?
Packenham - Ele criticava o modelo de capitalismo que vigorava na América Latina. Mas como alternativa apresentavam um socialismo que nunca havia sido testado. Sempre que você compara algo real a uma utopia, a utopia parece mais atraente. O problema é que ela é atraente em tese, mas impossível de ser aplicada.
Folha - O sr. prefere chamar Movimento de Dependência em vez de teoria. Por quê?
Packenham - Para não comprar briga com seus idealizadores. Quando eu comecei a escrever sobre o assunto, em 1973, chamava de teoria. Mas fui tão criticado pelos intelectuais latino-americanos, FHC inclusive, que preferi, como eles, chamar de movimento.
Folha - Por que movimento?
Packenham - Porque eles afirmavam que não havia uma só linha de pensamento. Os autores tinham vários pontos em comum, mas não havia consenso sobre várias questões. Eles execravam qualquer tentativa de formalização. Outro motivo para preferir a palavra movimento é o fato de que havia um envolvimento político dos intelectuais com a causa. Qualquer crítica era tomada como uma ofensa porque, mais do que uma teoria, a ``dependência" era um projeto político.
Folha - Por isso que o senhor entrou em choque com FHC?
Packenham - Exato. Eles todos respondiam muito emocionalmente a qualquer crítica.
Folha - O título de ``criador" do Movimento de Dependência foi atribuído a FHC. Mas, em seu livro, o sr. afirma que quem de fato lançou a idéia foi Andre Gunder Frank. No que se baseia essa afirmação?
Packenham - Num dado concreto: quando FHC publicou seu primeiro livro sobre o assunto, Gunder já havia publicado o seu. Fala-se que o esboço do livro de FHC estaria pronto desde 65, mas Gunder também poderia ter o seu.
Folha - Apesar de, segundo o sr., Gunder ter sido o pioneiro, ele foi muito mais criticado nos EUA do que FHC. Por quê?
Packenham - Em primeiro lugar, porque Gunder foi simplista. A teoria está melhor explicada na obra de FHC. Em segundo, porque Fernando Henrique, desde aquela época, era politicamente brilhante. Por ser ambíguo, conseguia que todos se sentissem de alguma forma identificados a ele.

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