São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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`Aos 12 anos cometi meu primeirio crime'

Gregório Gordo tirou Escadinha da cadeia de helicóptero

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Gregório Gordo continua querendo sair da cadeia, mas agora com a ajuda da lei. Preso há quase 20 anos, já cumpriu mais de um sexto de sua pena de 55 anos, por assalto a banco e roubo de carro. Isso lhe permitiria ir para o regime semi-aberto, trabalhar de dia e voltar para a prisão à noite.
O juiz da Vara de Execuções Penais, Leomil Pinheiro, está analisando o pedido. ``Sei que o meu passado conta, eu sou o Gregório Gordo", diz.
Ele, que fugiu oito vezes da cadeia, jura que agora não foge mais. Só sai quando o juiz mandar. Enquanto isso, fala de seu livro, que levou seis anos para escrever, do Comando Vermelho, do amigo Escadinha e da fé que, segundo ele, mudou sua vida. (FE)

``Eu tinha uns nove anos quando comecei a entender o que era crime. Eu vigiava uma boca-de-fumo lá em Irajá (zona norte), onde eu nasci. Depois, comecei a entender que o que eu vigiava era maconha. Aos 12 anos fiz meu primeiro crime. Matei o Lambreta, um bandidão lá de Irajá que roubava as bocas-de-fumo e os pontos de bicho. Dali para cá foi uma facilidade. Nesse primeiro crime morreu o Gregorinho e nasceu o Gregório Gordo.
Depois, entrei no tráfico e no jogo de bicho. Um ex-cabo da PM, que entrou para a contravenção, me deu uns pontos de bicho para tomar conta. Depois fiquei só com o tráfico, até parar com tudo. Fui roubar carro e assaltar banco. Era um lucro mais imediato.
Tem hora que você mata para não morrer. No assalto a banco, quando eu entrava, eu me sentia legal, gostava da emoção e do perigo. Eu agia na cobertura, protegendo a fuga dos companheiros. Matando, não, nunca me senti bem. Tem gente que gosta. Nessa época, eu fumei, cheirei, fiz tudo que um bandido faz.
Quando se quer, é fácil fugir. Se você tem fé em você, você consegue. Eu não posso dizer que os guardas ajudam, alguns ajudam. As minhas fugas foram com ajuda externa, dos meus amigos. Hoje, as pessoas somem da cadeia.
Fugi em abril de 85 do presídio da Ilha Grande, num barco que o Meio-Quilo (Paulo Roberto de Moura, morto há seis anos) mandou para me buscar. Ficamos cinco dias perdidos no mar, com o helicóptero do Exército procurando. Caí numa ribanceira, quase perdi a perna, deu gangrena. O Meio-Quilo prendeu um médico que passava na estrada para me tratar. Em dezembro, voltei para buscar meu irmãozinho, o Escadinha. Voltei de helicóptero, no último dia do ano, porque ele queria passar o Ano Novo em casa.
Eu e o Zequinha (José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, preso em Bangu 1) estávamos presos juntos na Pavuna, em 82. Eu ia fugir, o pessoal vinha me buscar à noite. Foi aí que desceu o morro do Juramento todo e ficou gritando `queremos Escadinha, queremos Escadinha'. Eu falei pô, Escadinha, você é lá do Juramento, eu vou fugir, vou te levar. Aí começou uma amizade boa. Eu já conversei muito com ele, ele é católico e lê a Bíblia. O Escadinha está com Jesus.
Eu acho que, do modo como falam hoje, o Comando Vermelho é um mito. Não existe essa superorganização, como se a gente tivesse escritórios dentro da cadeia. Não posso falar pelos outros, mas sei que todo mundo tem contato com todo mundo. Não duvido da força de quem está lá dentro, mas não é como as pessoas pensam."

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