São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Tudo, menos arquitetura

LUCIO COSTA

Embora julgue imprescindível uma reforma em toda a Escola (...), vamos falar um pouco de arquitetura. Acho que o curso de arquitetura necessita uma transformação radical. Não só o curso em si, mas os programas das respectivas cadeiras e, principalmente, a orientação geral do ensino. A atual é absolutamente falha.
A divergência entre a arquitetura e a estrutura, a construção propriamente dita, tem tomado proporções simplesmente alarmantes. Em todas as grandes épocas, as formas estéticas e estruturais se identificaram. Nos verdadeiros estilos, arquitetura e construção coincidem (...).
O Parthenon, Reims, Santa Sofia, tudo construção, tudo honesto, as colunas suportam, os arcos trabalham. Nada mente. Nós fazemos exatamente o contrário -se a estrutura pede cinco, a arquitetura pede 50 (...).
Fazemos cenografia, "estilo", arqueologia, fazemos casas espanholas de terceira mão, miniaturas de castelos medievais, falsos coloniais, tudo, menos arquitetura.
A reforma visará aparelhar a escola de um ensino técnico-científico tanto quanto possível perfeito e orientar o ensino artístico, no sentido de uma perfeita harmonia com a construção (...).
Acho indispensável que os nossos arquitetos deixem a escola conhecendo perfeitamente a nossa arquitetura da época colonial, não com o intuito da transposição ridícula dos seus motivos, não de mandar fazer falsos móveis de jacarandá -os verdadeiros são lindos-, mas de aprender as boas lições que ela nos dá de simplicidade, perfeita adaptação ao meio e à função e consequente beleza.
Quanto às outras artes plásticas, o mal não é menor. O "Salão", por exemplo -que exprime sobejamente o nosso grau de cultura artística-, diz bem do que precisamos. De ano para ano, tem-se a impressão que as telas são sempre as mesmas, as mesmas estátuas (...), apenas a colocação ligeiramente varia.
Apesar do abuso da cor (ter colorido gritante, julgam muitos, é ser moderno), sente-se uma absoluta falta de vida, tanto interior como exterior, uma impressão irremediável de raquitismo, de inanição. O alheamento em que vive a grande maioria dos nossos artistas a tudo o que se passa no mundo é de pasmar. Tem-se a impressão que vivemos em qualquer ilha perdida no Pacífico (...).
Todo esse movimento criador e purificador pós-impressionista, de Cézanne para cá, é desconhecido e renegado, sob o rótulo ridículo de "futurismo". É preciso que os nossos pintores, escultores e arquitetos procurem conhecer sem parti pris todo esse movimento, que já vem de longe, compreender o momento profundamente sério que vivemos, e que marcará a fase "primitiva" de uma grande era. O importante é penetrar-lhe o espírito, o verdadeiro sentido, e nada forçar. Que venha de dentro para fora e não de fora para dentro, pois o falso modernismo é mil vezes pior que todos os academismos.

Entrevista concedida em dezembro de 1930, quando Lucio Costa era diretor da Escola Nacional de Belas Artes

Texto Anterior: A vibração que desperta nosso jeito desencantado
Próximo Texto: RACISMO; REAL
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.