São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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França defende testes e nega querer nova arma nuclear

VINICIUS TORRES FREIRE
DE PARIS

Por que um presidente recém-empossado queimaria sua imagem anunciando a retomada de testes nucleares em um mundo em que a guerra fria ``congelou" e o ambientalismo é cada vez mais forte?
Foi o que fez o presidente francês, Jacques Chirac, em sua primeira entrevista coletiva. Para políticos e imprensa franceses, a medida foi mesmo um ato desastrado e pouco estudado, motivado pela filiação política do presidente.
No entanto, como veio a se saber depois do anúncio, mesmo sendo um desastre internacional de mídia, o gesto de Chirac está em consonância tanto com o rumo das esquecidas negociações internacionais sobre armas atômicas como com projetos militares franceses.
Os países do clube nuclear estariam negociando a possibilidade de continuar a realizar ``microtestes".
A atitude de Chirac também não pode ser considerada inesperada -o então candidato praticamente prometeu a retomada dos testes no último debate da campanha presidencial, em maio.
Segundo Chirac, a França faria sete ou oito testes, entre setembro deste ano e maio de 1996 no atol de Mururoa (oceano Pacífico), para medir a confiabilidade do arsenal e para checar o funcionamento de uma nova ogiva. Depois disso assinaria o tratado de proibição ``total" de testes nucleares.
O tratado está sendo negociado em Genebra e deve ser assinado no final do próximo ano.
Para a imprensa francesa, os militares pretendem desenvolver uma nova série de armas nucleares miniaturizadas, diferentes das que compõem o atual estoque francês.
Pierre Jaeglé, do Laboratório de Espectroscopia Atômica e Iônica da Universidade de Paris-Sud Orsay, confirma a suspeita.
``Os cidadãos estão sendo enganados quando é dito que a França precisa de novos testes porque o país não dispõe de instrumentos de simulação. Os testes já foram feitos. Os de agora escondem a intenção de desenvolver novas armas", diz Jaeglé, que organizou um manifesto contra os testes com a assinatura de 500 cientistas franceses.
O ministro das Relações Exteriores da França, Hervé de Charette, disse à Folha na semana passada que as especulações sobre novas armas são ``mentira pura e simples".
``O arsenal francês é de dissuasão, ele não é projetado para ser empregado em guerras, em combates. Serve apenas para desencorajar ataques de outras potências", disse o ministro.
O próprio diretor da área militar do Comissariado de Energia Atômica, Jacques Bouchard, disse numa comissão do Parlamento que ``novos testes deverão ser realizados, de fraca potência. Eles podem ocorrer mesmo no território francês (e não só nas colônias)".
Esses testes servem, pelo menos, para checar a confiabilidade das armas existentes, e os próprios EUA já admitiram ter feito uma centena deles, que não puderam ser detectados por outros países.
Os países do clube nuclear (EUA, Rússia, França, Reino Unido e China) estariam negociando a possibilidade de continuar com esses testes para incluir uma cláusula permissiva no futuro acordo. Chirac teria errado apenas ao divulgar suas intenções.
O Partido Socialista francês declarou em nota oficial que a retomada dos testes nucleares, anunciada por Chirac, era um gesto ``pseudogaullista".
A imprensa francesa foi quase unânime em lembrar que a filiação da iniciativa do presidente era intencionalmente gaullista.
O partido de Chirac (RPR) é denominado neogaullista -segue alguns princípios estabelecidos pelo general Charles de Gaulle, um dos líderes da resistência à ocupação nazista da França, durante a Segunda Guerra Mundial, e presidente de 1959 a 1969.
A política de De Gaulle foi marcada principalmente pela tentativa de levar a França à posição de potência independente no cenário da Guerra Fria, dominado pelos EUA e pela então URSS.
Durante o governo gaullista foi testada a primeira bomba nuclear francesa. O general também dificultou o relacionamento de seu país com a Comunidade Econômica Européia e não submeteu as forças francesas à aliança militar ocidental (Otan).
Na política externa e militar, portanto, o gaullismo significa auto-suficiência e independência.
Parlamentares europeus indignados com os testes chamaram o presidente Chirac de ``Rambo neogaullista".

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