São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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Uma âncora do barulho!

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O telefone toca. Acendo a luz -4 e meia da madrugada, logo penso: acidente numa das fábricas! Quem fala, pergunto eu com uma certa dose de raiva... Oh! desculpe-me dr. Antonio. Aqui quem fala é o seu amigo Mathias! Alguém doente?, pergunto eu.
Não, não, na realidade quem está muito preocupado e à beira de um infarto sou eu!
Mas o que aconteceu? Por que a esta hora?
Eu sei que o senhor sai cedo de casa e por isso, como não consigo mais dormir, resolvi falar com o amigo.
Vamos lá, amigo Mathias. Desembucha.
Na semana passada eu li uma entrevista da ministra da Indústria e Comércio e não consegui entender nada! Quem sabe o senhor me explica. Está ali afirmando que o PIB industrial irá crescer anualmente até o ano 2000 numa base de 7% e que os bens manufaturados irão subir de US$ 25 bilhões para US$ 56 bilhões até o início do próximo milênio. Será que o governo esqueceu de que com esses juros superelevados é quase impossível produzir? Eu sou apenas um caboclo dedicando minha vida à agricultura, mas essa entrevista não colou! Na minha cabeça os dados não estão corretos, ou seria isso uma sinalização para uma baixa de juros a médio prazo? O governo, dizia o Mathias, infelizmente não sabe avaliar o sacrifício imposto aos produtores rurais e industriais que exportam hoje uma grande parcela de sua produção. Esta tal de âncora cambial está na realidade afogando quem produz. Pesa como chumbo!
Continuando, diz o Mathias, a água já passou do nível da boca e está se aproximando das marinas, e, se isso continuar apenas um pouco mais, iremos todos nós, produtores rurais e industriais, para o fundo do oceano Atlântico! Aí continuou ele:
A crise está brava. Difícil vender! Mais difícil receber!
Interrogando-o, perguntei: como é, Mathias, eu pensei que você estivesse em Brasília participando da marcha!
O senhor sabe que eu sempre paguei meus tributos em dia e que não dou um passo maior que a perna. O que o presidente Fernando Henrique falou parece-me certo. Nada de calotes; todavia é preciso haver uma coordenação entre juros e o preço do produto. Se o preço cai e os juros sobem, adeus agricultura! O que não me entra na cabeça é esse pessoal passar uma semana marchando! Quem estaria pagando essa conta? Ou será que perdido por pouco, perdido por muito? Como brasileiro, dizia ainda o Mathias, sei que, se os juros baixarem, a ``reserva" especulativa vai embora do Brasil e aí seremos mais um companheiro do México.
Como então crescer a 7% o PIB produtivo no Brasil? Desculpe-me, eu falei demais. Foi só um desabafo!
Calma, Mathias. Eu estou na mesma situação que você. Não há desinflação sem sacrifício, sair de uma inflação de 40% ao mês para 2,5% é quase um milagre. É pena que ela não seja assim para todos os brasileiros. O meio financeiro sempre, sempre escapa desses sacrifícios. Atualmente, produzir neste país é sinal de enorme burrice! Todavia, ainda tenho fé no destino da nação. O governo vai prestar atenção nas nossas observações. Afinal de contas, Deus é brasileiro, retruquei eu!
E o Tejada, que apitou o jogo do Brasil com a Argentina também, respondeu-me Mathias.
Na próxima semana eu vou te ligar às 3 da manhã para saber se ainda estás vivo, ironizava eu! Bom dia, Mathias.
Desliguei, e agora, 5 horas da manhã, só me resta levantar e começar a trabalhar. Agora somos dois a não dormir. Ele e eu.

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