São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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Acesso a tecnologia, não-proliferação e política externa

LUIZ FELIPE LAMPREIA

Em seu discurso de posse, o presidente Fernando Henrique Cardoso destacou, como prioridade do governo, a obtenção de melhor acesso do Brasil às tecnologias de ponta, essenciais para o nosso desenvolvimento sustentável. O Itamaraty -em coordenação com os órgãos nacionais interessados- vem dedicando seus melhores esforços à viabilização dessa meta, com vistas a identificar e promover parcerias externas que possam contribuir para o progresso tecnológico do país.
Desde a segunda metade da década de 80, no entanto, os esforços brasileiros têm esbarrado em constrangimentos ao acesso às tecnologias de ponta, particularmente àquelas denominadas sensíveis -ou seja, passíveis de utilização tanto civil quanto militar, especialmente no desenvolvimento de armas de destruição em massa (nucleares, químicas e biológicas) e seus sistemas de lançamento (mísseis).
Esses constrangimentos, acentuados pelos diversos conflitos regionais dos últimos anos, refletem um interesse acrescido de parte expressiva da comunidade internacional com o desarmamento e a não-proliferação, principalmente por meio do controle das tecnologias sensíveis.
Para o Brasil, que está avançado no desenvolvimento em diversos campos tecnológicos de ponta, essa questão é importante e atual. Como país detentor de tecnologia sensível, precisa dispor de meios para assegurar o seu uso responsável. Como país que aspira a um maior acesso às tecnologias sensíveis que ainda não possui, precisa dispor de credenciais sólidas de confiabilidade e responsabilidade perante a comunidade internacional.
A diplomacia brasileira tem buscado compatibilizar o interesse em aprofundar a cooperação internacional em matéria de tecnologias sensíveis com os esforços pela não-proliferação de armas de destruição em massa.
A participação em esquemas cooperativos nesse campo passou a ter como pressuposto básico o controle efetivo sobre as tecnologias sensíveis desenvolvidas nacionalmente ou obtidas de outros países, cuja utilização possa contribuir para a proliferação de armas de destruição em massa e seus vetores.
Com essa preocupação, o governo acaba de enviar ao Congresso Nacional projeto de lei que versa sobre a exportação de bens e tecnologias sensíveis e serviços diretamente vinculados. O projeto visa a permitir um controle por parte do governo das operações em todas as áreas consideradas sensíveis.
Assim, as exportações nessas áreas deverão ser previamente autorizadas pelos órgãos federais competentes, entre os quais o Itamaraty, sob a coordenação da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. A aprovação dessa legislação nos colocará em um novo patamar para o acesso a tecnologias essenciais e para a nossa participação nos mecanismos internacionais de controle dessas transferências, entre eles o importante MTCR (Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis).
Não se trata -é bom repetir- de impor dificuldades para as exportações brasileiras em determinados setores de alta tecnologia, nem muito menos de impedir o livre intercâmbio de conhecimentos nessas áreas, que o Brasil sempre defendeu. O que se busca é assegurar que tais atividades de intercâmbio ou cooperação sejam compatíveis com o perfil de um país que, como o Brasil, tem no compromisso com o desarmamento e a não-proliferação um dos pilares de sua política externa, de sua imagem no exterior.
A Constituição estabelece que as atividades nucleares em território nacional só serão admitidas para fins exclusivamente pacíficos. O Brasil ratificou o Tratado de Tlatelolco, que estabelece uma zona livre de armas nucleares na América Latina e constitui um compromisso internacional abrangente e equilibrado. Com a Argentina, temos relações exemplares de cooperação na área nuclear, com um grau de transparência e confiança inédito entre os dois países.
Na área da não-proliferação de mísseis, o Brasil tem sido igualmente ativo. O governo decidiu unilateralmente observar as diretrizes do MTCR e vem aprofundando o diálogo com seus principais parceiros, com vistas ao ingresso como membro pleno naquele regime.
Estabeleceu, em dezembro de 1994, um sistema nacional de controle de exportações de tecnologias sensíveis para vigorar temporariamente até a aprovação do projeto de lei, criterioso e mais abrangente, agora apresentado ao Congresso Nacional. E criou a Agência Espacial Brasileira (AEB), órgão civil com a finalidade de gerenciar o programa espacial brasileiro e definir a política para o setor.
Para as atividades nacionais nas áreas nuclear e espacial, em particular o Veículo Lançador de Satélites (VLS), o impacto dessas iniciativas do governo será amplamente favorável. O estabelecimento de uma base legal sólida para o controle de exportações de tecnologias sensíveis virá complementar um quadro que permitirá um maior aproveitamento para o país de suas conquistas tecnológicas nesses campos e viabilizará a perspectiva de uma cooperação internacional ampliada.
Isso porque o Brasil estará consolidando uma postura de transparência quanto aos objetivos exclusivamente pacíficos de seus programas de desenvolvimento tecnológico em áreas de ponta.
O Brasil é um país com vocação inequívoca para a paz, que busca seu desenvolvimento pelo entendimento e a cooperação. Como tal, deve estar engajado plenamente nos esforços mundiais pela não-proliferação. A aprovação do projeto de lei enviado ao Congresso pelo presidente Fernando Henrique Cardoso será um passo fundamental. Mais ainda, oferecerá à sociedade brasileira um instrumento de grande utilidade na busca de melhor acesso à tecnologia de que o país precisa para crescer.

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