São Paulo, segunda-feira, 24 de julho de 1995
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Descriminar ou descriminalizar?

JOSUÉ MACHADO

Há alguma confusão entre os verbos descriminar e descriminalizar em notícias de jornais, revistas, TV, rádio e debates de sábios, congressistas ou não. E continuará havendo. Mas não há razão para isso, porque os dicionários não registram "descriminalizar", embora anotem criminalizar com sentido semelhante ao de criminar. Claro que criminar e criminalizar são antônimos de descriminar (absolver da acusação de crime) e do suposto e inexistente "descriminalizar". O Aurélio nem registra diferença entre criminar e criminalizar, mas deveria, como fez, e bem, o Caldas Aulete.
Criminar - Imputar um crime a, considerar como criminoso ("Criminaram os anões da Comissão de Orçamento, mas ficou por isso mesmo."). Como pronominal, declarar-se criminoso, confessando o crime ou, involuntariamente, por incorrer em contradição ("Por força de suas pilantragens e contradições aquele ex-governador criminou-se".).
Criminalizar - Para o Aulete, ótimo dicionário no essencial, embora não atualizado: "Resolver que constitui de ora avante crime determinado ato só considerado infração ou delito até então. Tornar criminal. ("A brutalidade das tosquias e canelões criminalizara... a pacatez da vida estudantil." - Fialho, "Saibam Quantos".)
Na verdade usa-se incriminar muito mais do que criminar. Incriminar, como criminar, significa acusar, imputar algum crime a, culpar, considerar como crime.
"Deve-se criminar, ou incriminar, os responsáveis pela bela gestão de oito anos de desenvolvimento do Banespa?"
"Não convém criminar os 31 deputados e senadores apontados como bandidos para não macular o Congresso."
Diante de tanto dicionarismo, palavra que também não figura nos dicionários, pode-se concluir que deveria existir "descriminalizar" com o sentido específico de "resolver que de agora em diante não mais constitui crime ato até então considerado como tal". Ou algo assim. Quer dizer, o contrário exato de criminalizar.
Por que será que os venerandos sábios da Academia não incluíram no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa essa palavra tão feia e comprida? Não importa. Importa é que alguém com muita autoridade, o vice-presidente Marco Maciel, talvez, grande figura, deva usar "descriminalizar" todos os dias para que ela venha a ser dicionarizada.
Enquanto isso não ocorrer, convém usar só e apenas descriminar e descriminação, palavras sobre as quais não há dúvidas de sentido ou de grafia. Descriminar o uso da maconha, descriminar a suposta gestão safada de oito anos consecutivos do Banespa, descriminar os supostos bandidotes do Congresso e da justiça (com minúscula) brasileira etc.
Em suma, para que não nos esqueçamos jamais: criminar, incriminar, criminalizar e descriminar são palavras dicionarizadas, isto é, existem oficialmente; "descriminalizar" não existe por falha dos sábios lexicógrafos, mas deveria existir como antônimo de criminalizar. E passará a existir, se repórteres e pessoas que defendem a descriminação da maconha continuarem a usá-la. Não a maconha -a "descriminalização".
Mas quem confundir descriminar com a parônima (de som semelhante) discriminar deve pagar pelo crime ajoelhado em grãos de milho, ouvindo a "Hora do Brasil" durante duas semanas todos os dias.
Descriminar é palavra formada pelo prefixo latino ``des" + ``criminare" (acusar) e, convém repetir, significa absolver, tirar a culpa a, inocentar, absolver da acusação de crime. O prefixo "des" exprime no caso negação, oposição, privação -noção evidente também em desdizer, desmentir, desamor, denegar, desleal e outras.
"Vamos descriminar a maconha para todos ficarem numa boa.
Discriminar, com três is, vem do latim "discriminare", que significa, como em português, pôr à parte, separar, dividir, distinguir.
"A discriminação racial, social e sexual é crime."
Mais uma:
"Os governos de Sarney, Collor, Quércia e Fleury ficarão na história discriminados pela grande obra realizada."

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