São Paulo, segunda-feira, 24 de julho de 1995
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Cinema no Brasil ainda é poleiro

Diagnóstico de Glauber ainda vale

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Convencionou-se comemorar em dezembro próximo cem anos de cinema numa homenagem à primeira projeção de filmes com ingressos pagos (irmãos Lumière, Paris). É assim o centenário das salas de cinema que celebramos.
Minha utopia de comemoração brasileira tem exatamente as salas como um dos alvos. A efeméride poderia servir de gancho para uma revolução modernizante nos cinemas similar a que atingiu nos últimos anos o carro nacional. ``As salas do Brasil são poleiros", afirmava Glauber há vinte anos. Desde então, só piorou. Exceções não enchem uma mão.
A mais empírica das pesquisa confirma a regra. Você chega ao cinema, enfrenta invariavelmente uma fila, paga preços de Tóquio pelo ingresso e assiste a uma sessão como em Maputo. O impacto de poltronas pouco confortáveis logo concorre com a dúvida sobre o funcionamento do ar-condicionado. Saudades do lar logo batem, mas afinal cá estamos.
Em seguida, enchem sua paciência projetando em vídeos à carvão e com luz apagada (o que é de duvidosa legalidade), como se fossem parte do programa, aqueles mesmos comerciais que você zapa da TV. Mais recentemente, uma nova picaretagem o assalta: ``maquiando-se" sobre o rótulo hoje ``cult" de curta-metragem, uma megapublicidade sutil como as atuais novelas vampiriza sem dar crédito ``O Homem Nu" de Fernando Sabino. Caras conhecidas, produção cara e um título pretensioso (``O Acossado") pretendem completar a farsa. Jamais pensei sentir falta do orgulhoso kitsch dos anúncios Dzarm.
Vêm os ``trailers" e um frio corre a espinha. Será a projeção do filme igualmente lamentável? Sessão finalmente começada, as responsabilidades logo se confundem: a cópia foi riscada na sala ou veio assim? Suas cores desbotaram ou a lâmpada do projetor está fraca? Foi dublada em finlandês ou este som é inacreditável? Inútil reclamar: ``É assim mesmo", ``Você não sabe ler?", um sincero dar de ombros são as respostas-padrão.
A atividade cinematográfica vai muito bem no Brasil -com exceção do fundamental campo da produção. Os distribuidores souberam fazer sua própria revolução na última década, tornando a oferta de títulos em São Paulo e Rio tão ou mais variada que a de Nova York, Londres ou Berlim e ficando atrás apenas da cinemateca chamada Paris. A euforia de consumo do mercado de vídeo alcançou também o circuito exibidor com a estabilidade do Plano Real, mas para o público a mudança significa maiores esperas e ingressos mais caros -além da ciranda de títulos que passam meteoricamente, no frenesi do lucro mais imediatista.
Qualquer espectador de cinema que tenha alcançado a graça de assistir a projeções no Primeiro Mundo viveu uma experiência toda nova. É como passar de um televisor preto e branco de 14 polegadas a uma TV colorida de última geração. No início do século, as salas de cinema no Brasil eram romanticamente chamadas de ``poeiras". Passados quase cem anos, só o apelido e o romantismo se foram.

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