São Paulo, terça-feira, 25 de julho de 1995
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Agricultura no vermelho

JOSÉ GOMES DA SILVA

Pelo que me lembro, afora as comoções que se seguiram à crise de 1929, apenas as marchas do algodão e do café (a primeira contida pela habilidade de Juscelino e a segunda pelas baionetas do General Lott) tiveram a gravidade da atual situação da agricultura brasileira.
A radiografia da crise é aqui analisada em apenas quatro aspectos.
Recente análise do professor Fernando Homem de Melo indicava que apenas três produtos agrícolas apresentam este ano preços satisfatórios: laranja, cana e café.
O primeiro, depois de um período de euforia, baseado em parte pelas geadas da Flórida (EUA), teve, no ano passado, para boa parcela dos citricultores, preços abaixo do custo de produção.
Agora, a situação (real ou fabricada pela indústria) que se vislumbra para 1995/96 é simplesmente dramática.
Não há preços, fala-se em jogar a colheita (feita até agora pelas fábricas) nas costas do agricultor e outras medidas leoninas que precedem o terrorismo da antevéspera das negociações.
O café conta com preços satisfatórios, mas não existe colheita: ``Deus deu a farinha, o diabo levou o saco...", lembra ditado conhecido.
Quanto à cana, em todo o Estado há quebra de produção por causa das geadas do ano passado e os preços, fixados pelo governo, estão defasados em cerca de 30%.
Se esta é a situação das três estrelas da agricultura, nem é bom falar no milho, coitado, cujo saco é negociado ao preço de um hambúrguer de boa qualidade.
Quanto ao algodão, arroz e outros desprotegidos diz a manchete de 13 de junho de 1995: ``Preço agrícola é o menor da década".
Essa situação se reflete no PIB (Produto Interno Bruto) não apenas pela diminuição da renda dos agricultores, mas também pela queda no faturamento e na liquidez das indústrias.
Levantamento feito pela SRB (Sociedade Rural Brasileira) mostra a difícil posição de diversas indústrias de insumos agrícolas, às voltas com inadimplência e queda de vendas.
Não se acredita que a nova banda cambial seja suficiente para modificar esse quadro de dificuldades em que até usinas de açúcar de São Paulo, consideradas o ``filé-mignon" da agroindústria brasileira, estão pedindo concordata.
Com relação às dívidas (de alguns) agricultores, o governo não está sendo menos desastrado.
Se a fotografia da bancada ruralista, entregando a fatura de seus votos a Fernando Henrique Cardoso não for suficiente, basta atentar para as informações abaixo.
Embora toda a política de crédito agrícola se destine a favorecer os pequenos produtores, as últimas normas do Banco Central aumentaram em 400% os encargos financeiros dos miniagricultores, enquanto os grandes terão subsídios de 66%.
Se os recursos fossem da banca privada, seria esse o critério adotado?
Na reforma agrária, a cena da primeira distribuição de títulos de terra, realizada no Ceará, foi constrangedora.
Pessoas da área informam que a gleba utilizada não se presta para uma exploração sustentável e, pasmem, foram desapropriadas a altos preços, favorecendo tucanos locais.
E como se não bastasse a figura de um banqueiro no comando da reforma, o presidente Fernando Henrique Cardoso nomeia para implementar o processo um fazendeirão, ligado ao conservadorismo rural e que sempre combateu mudanças na agricultura brasileira.
O artigo de Otávio Frias Filho (Folha, de 8 de junho de 95, pág. 1-2), sem falar na reforma, explica porque e quem se alimenta daqueles e outros excluídos.
Quanto ao ITR, queixavam-se muito dos equívocos do cadastro do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Este ano, com o lançamento do ITR (Imposto Territorial Rural) feito pela Receita Federal, o desastre foi ainda maior.
A Sociedade Rural Brasileira tem até advogados de plantão para orientar legiões de contribuintes na elaboração de recursos resultantes não apenas de erros nas alíquotas, mas também em majorações absurdas, que contrariam o dispositivo constitucional de proteção às empresas rurais que dão à terra uma função social.
Esses quatro exemplos compõem uma ligeira radiografia da atual situação da nossa agricultura.
E dão razão ao deputado-federal Delfim Neto (PPR-SP), quando adverte para ``o perigo da âncora cambial afundar e levar consigo o Plano Real, se a agricultura não fizer isso antes".

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