São Paulo, terça-feira, 25 de julho de 1995
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Mulheres parlamentares rumo a Beijing

MARTA SUPLICY

Quando contei à minha mãe que, a convite da União Européia, estava indo para Bruxelas coordenar um painel de debates sobre a questão de gênero, ela achou lindo. Depois, meio encabulada, perguntou: ``Mas o que é essa questão de gênero?".
Como ela, poucas pessoas sabem por que as mulheres e inúmeros congressos internacionais estão tão empenhados em discutir ``gênero", isto é, entender o que é ser homem e mulher nas diferentes regiões do mundo, e como -e por quê- se mantêm a opressão e a discriminação das mulheres.
Desde 1975, quando a Organização das Nações Unidas instituiu o Ano Internacional da Mulher e a Década da Mulher, eclodiu no mundo, com muita força, um novo campo de trabalho político, visando colher dados sobre a situação das mulheres e denunciar a discriminação e formas de opressão do gênero feminino nas mais variadas culturas.
Até há pouco tempo não havia estatísticas oficiais com dados desagregados por sexo. Assim, quase tudo o que se referia especificamente às mulheres tinha pouca importância frente às ``grandes questões mundiais".
Fruto dessa invisibilidade na história e nas agendas oficiais, preocupações sérias e demandas por políticas públicas dirigidas às mulheres tinham pouco eco ou os argumentos eram ``insuficientes" para exigir medidas urgentes dos governos. Ao final da Década da Mulher, a Conferência Mundial de Nairobi em 1985 avaliou que pouco havia sido feito para mudar a situação das mulheres no mundo, constatando que, em muitas áreas, as coisas estavam até piores.
Foram, então, formuladas as ``Estratégias de Nairobi", em que se preconizou a reformulação das estruturas políticas, sociais e legais, buscando comprometer os governos com a conquista da igualdade e o combate à discriminação das mulheres.
As conferências mundiais desta década (Eco-92, Direitos Humanos-93, População e Desenvolvimento-94 e Desenvolvimento Social-95) foram mais longe na análise da situação e das necessidades das mulheres no mundo.
Como exemplo, os governos reconheceram que as mulheres (e meninas) têm, sistematicamente, seus direitos humanos desrespeitados, seja no cotidiano, seja em situações de exceção, como guerra, migrações, exílio.
Avançou-se no reconhecimento da necessidade de políticas públicas relativas aos direitos reprodutivos e ao bem-estar sexual das mulheres. Explicitou-se que a pobreza não será erradicada sem investimentos específicos para as mulheres, pois os modelos culturais, políticos e de desenvolvimento vigentes se sustentam na exclusão das mulheres.
Acredito, como muitas(os) pensadoras(es), que a luta das mulheres em busca de mudanças em sua posição no mundo provocou a mais significativa revolução cultural deste século.
Por tudo isso, é grande a expectativa em torno da Conferência Mundial da Mulher a realizar-se no mês de setembro em Pequim, a última sobre o tema neste século. Em nosso país foram realizados encontros oficiais e não-oficiais, buscando contribuir para a Plataforma de Ação Mundial que será aprovada na China.
O movimento organizado de mulheres deu o tom. Representantes do governo brasileiro participaram de conferências regionais, e o Brasil aprovou a Plataforma de Ação Regional para as Mulheres da América Latina e Caribe em 94, instrumento subsidiário à 2ª Preparatória Mundial que se realizou em Nova York, em abril passado.
Tendo participado de reunião de parlamentares na Conferência sobre Desenvolvimento Social e em encontro da União Européia, constatei o quanto parlamentares homens e mulheres de outras regiões têm se preparado para essa conferência, identificando o que é vital para as mulheres e para a saúde social de suas regiões e continentes.
Com a ida de parlamentares brasileiras a Nova York nessa 2ª Preparatória Mundial, sentimos o quanto nossa participação tinha sido, até então, pequena e como as legisladoras latino-americanas estão desarticuladas entre si.
Por isso, nos próximos dias 28 e 29 de julho, na sede do Parlamento Latino-Americano, em São Paulo, por sugestão das parlamentares brasileiras, estará se realizando a 5ª Reunião da Comissão da Mulher do Parlatino (aliás, a primeira a se efetivar na América do Sul), com representantes de todos os países da América Latina e a presença das deputadas e senadoras brasileiras.
A bancada feminina do Congresso brasileiro está convidando todas as deputadas estaduais e vereadoras do Brasil para assistirem às exposições e debates no dia 28, bem como a participarem de atividades específicas no dia 29.
Será apresentado um estudo comparativo das legislações latino-americanas, no que diz respeito à mulher, elaborado pela deputada Sandra Piszk, da Costa Rica. Serão debatidas legislações inovadoras, tais como a de cotas para garantia de presença das mulheres em todos os âmbitos de poder político, em vigência na Argentina.
Será um encontro muito importante para a vida política brasileira e regional. O Parlatino nunca teve um encontro dessa natureza.
São muitas as propostas que nós, parlamentares brasileiras, apresentaremos nessa reunião. Mas uma das mais importantes é a de formação de rede de mulheres parlamentares, para intercâmbios e elaboração de agendas comuns, visando maior eficácia na atuação legislativa de combate à discriminação das mulheres e promoção de uma sociedade mais justa.
Queremos cumprir nossa parte para que se possa conseguir que homens e mulheres tenham suas necessidades atendidas, com respeito às suas especificidades, sem que nós, mulheres, tenhamos que ouvir novamente esta frase, dita por um jornalista de maneira simpática e buscando ser muito cooperativo: ``Esta reunião é realmente interessante; vamos falar com a editora do caderno feminino!".

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