São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 1995
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`As Criadas' explora mau gosto de Genet

MÔNICA RODRIGUES COSTA
EDITORA DA FOLHINHA

``As Criadas", com texto do dramaturgo francês Jean Genet (1910-1986) e direção de Williams Sant'Anna, é uma peça de um mau gosto intencional.
Os atores representam duas empregadas que planejam o assassinato da patroa. Solange (Carlos Ataide) e Claire (Sant'Anna) põem o remédio Gardenal no chá de Madame (Fabio Ferretti).
Com um figurino (Sant'Anna) que ``despe" os personagens -ficam praticamente nus- e quase nenhum cenário, ``As Criadas" retrata um ambiente decadente e mórbido e conduz os espectadores ao inferno do ressentimento.
É uma trama pesada, bem armada por esses atores travestidos, que não são homens ou mulheres, mas seres humanos distorcidos.
Mas não é pesada ou séria demais, pois ``As Criadas" tem um escracho que esvazia o sentido de tragédia e afasta o público de grandes sentimentos de culpa.
Platéia e público ficam no mesmo plano. O palco é um retângulo no foyer. Não há semelhança com fatos reais.
Solange planejou a decadência de Madame. Pôs o Doutor, marido dela, na cadeia, forjando cartas anônimas. Ataide e Sant'Anna fazem vozes e gestos estereotipados. Claire assume o papel de Madame, representando com Solange. Quer escolher o vestido, as jóias. Depois, as duas trocam de papéis. Misturam suas frases às que dirigem a Madame.
Com forte sotaque nordestino, Solange e Claire usam o público como espelho para colocar brincos, de forma narcísica.
Madame entra, um perfume agride a platéia, a submissão das empregadas se sobressai. Madame é um travesti imenso, com um salto exageradamente alto. Pressente a ameaça de Claire e Solange. Suas falas são uma espécie de lamento tragicômico.
O mérito da montagem é fazer o texto de Genet fluir, com ironia e crueldade. E transmitir uma ambivalência de sentido, privilegiando a imaginação, a arquitetura de um assassinato que não se conclui.
Existe uma agressividade e um desamparo, Solange e Claire sorriem e choram ao mesmo tempo e se frustram. Deus algum vem salvá-las da trama em que elas próprias se enredaram. Em ``Diário de um Ladrão" (ed. Nova Fronteira), Genet trata do desespero dos assassinos diante da necessidade de pedir auxílio: ``Disseram-me que, para os antigos, Mercúrio era o deus dos ladrões, que sabiam assim que potência invocar. Mas nós não temos ninguém. Pareceria lógico rezar ao diabo, mas nenhum ladrão ousaria fazê-lo seriamente. Fazer um pacto seria comprometer-se de maneira demasiado profunda, de tanto que ele se opõe a Deus, que, como se sabe, é o vencedor definitivo."

Peça: As Criadas
Direção: Williams Sant'Anna
Elenco: Carlos Ataide, Fabio Ferretti, Cello Intarsiato, Leonardo Albuquerque e Williams Sant'Anna (Companhia Théspis de Repertório)
Onde: Centro Cultural São Paulo, foyer (r. Vergueiro, 1.000, tel. 277-3611)
Quando: De quarta a sábado, às 21h30, e domingo, às 20h30. Até 6 de agosto
Quanto: R$ 8,00

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